Café virtual com um dos organizadores da Frente Cultural de Apoio ao Dia Mundial da Língua Portuguesa

DO TEXTO: Na correria dos “ajustes” finais para a programação da grande homenagem online à Língua Portuguesa, Seabra, esse português de Lisboa que há 50 anos “adotou” o Brasil como sua morada, conversou via Jitisi com a repórter do luso-brasileiro Portal Splish Splash

Por: Tâmara Oliveira Santana
Ele tem um jeito “zen” de ser, porém tem uma vida profissional mais agitada do que um atleta de “triatlo”. Nós estamos falando de Carlos Seabra: autor de livros infanto-juvenis, editor, criador de jogos, profissional da área de tecnologia na educação, e um dos idealizadores da Frente Cultural de Apoio ao Dia Mundial da Língua Portuguesa – iniciativa que tem como objetivo celebrar, através de diferentes ações, o Dia Mundial da Língua Portuguesa, comemorado pela primeira vez no próximo 5 de maio de 2020 .

Esta data foi criada pela Unesco em novembro de 2019. Na correria dos “ajustes” finais para a programação da grande homenagem online à Língua Portuguesa, Seabra, esse português de Lisboa que há 50 anos “adotou” o Brasil como sua morada, conversou via Jitsi  com a repórter do luso-brasileiro Portal Splish Splash.

PSS – Seu pai, o lisboeta Mário Seabra, foi um dos maiores criadores de jogos no Brasil. Quando jovem você jogava muito com seu pai? Sua casa era a residência querida pela criançada por provavelmente ser muito divertida?

CS- Na verdade não me lembro de jogar nada com meu pai quando era criança. Eu lia alguns livros junto com ele e conversávamos, por exemplo sobre a “História do mundo para crianças” do Monteiro Lobato. Só já na pós-adolescência, quando ele decidiu ser inventor de jogos, é que começamos a jogar, em geral os jogos que ele criava, e eu ajudava-o no desenvolvimento e testagem. Após isso, ele criou a “Elo de Amadores de Jogos”, um clube que reunia centenas de jogos e dezenas de frequentadores. Aí sim, a coisa era muito divertida!

PSS – Escuta-se muito falar que os jovens não leem. Como autor de livros infanto-juvenis você concorda com esta afirmação? Os adolescentes são de fato desinteressados pela leitura?

CS- O problema no Brasil é que todas as gerações, não apenas os jovens, leem muito pouco. A pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil” mostrou que os jovens estão lendo mais no Brasil, mas que isso diminui com a idade: na faixa de 6 a 10 anos o índice de leitores é de 67% e entre 11 e 13 anos alcança 84%, a partir daí vai diminuindo; na faixa de 40 a 49 anos, 52% se declara não leitor, e acima dos 70 anos apenas 27% afirmam ler livros. Claro que esses indicadores englobam a leitura de livros religiosos (a Bíblia ganhando de lavada), de autoajuda e didáticos. Se considerarmos apenas a literatura, o resultado é apavorante do ponto de vista cultural.


Depois das participações dos escritores no Encontro Literário do Cerrado em Uberlândia/MG, tempo para prosa e umas legítimas pingas mineiras, Ziraldo e Seabra.

PSS – O “Livro dos Jogos das Crianças Indígenas e Africanas” (Estrela Cultural, 2019). de sua autoria, foi lançado em algum país do continente africano?

CS- Esse livro foi lançado no ano passado, na Bienal do Rio de Janeiro  e foi um dos indicados para a Feira de Bolonha deste ano, então a “carreira” internacional do livro poderá se iniciar aí. Claro que com a pandemia o cronograma será bem diferente, vamos ver. Eu gostaria imensamente que pelo menos em Angola e Moçambique o livro viesse a ser publicado, mas isso dependerá da lógica do mercado editorial ou de políticas governamentais (o livro presta-se muito a ser adotado em escolas).

PSS – Alguns professores têm muita resistência em relação ao ensino a distância mesmo em meio à pandemia. O que fazer para mudar a posição desses docentes?

CS- Resistências desse tipo são naturais, mas o fato é que a pandemia está a fazer com que soluções tecnológicas de educação a distância sejam obrigatoriamente adotadas.
A tecnologia é um amplificador do bom e do ruim, assim, se dermos um megafone para uma pessoa desafinada ela não vai cantar melhor mas vai incomodar muito mais vizinhos. Do mesmo modo, um professor enfadonho em sala de aula, numa transmissão por vídeo fica muito mais insuportável para os alunos. O que é preciso evitar ao máximo é o foco na “transmissão de conteúdos”. Para isso o professor deve propor atividades concretas, projetos, onde os alunos se engajem e aprendam. São as chamadas “metodologias ativas”.
Por exemplo, pedir para fazerem pequenas reportagens ou publicarem assuntos nas redes sociais pesquisando na Wikipédia, produzir apresentações com textos sintéticos e boas ilustrações em forma de slides ou pequenos vídeos, entrevistar pais ou avós sobre determinados temas fazendo entrevistas em áudio com o celular, criar jogos ou outras atividades lúdicas a partir de conteúdos solicitados pelo professor, fazer trabalhos manuais em casa e fotografá-los, filmá-los etc.

PSSEm entrevista a Trevor Noah no Programa The Daily Show, Bill Gates cogitou que o deslocamento entre nações ficará ainda mais fechado após a pandemia, que alguns países começarão a exigir teste de coronavírus para a liberação de vistos.
Você acredita que algumas nações após essa “tempestade” ficarão ainda mais fechadas?

CS- É difícil fazer prognósticos para o futuro. Eu sempre achei que o século 21 seria um passo adiante na evolução civilizatória da humanidade, mas temos visto sintomas graves de barbárie assumindo o poder em diversas nações. Espero que a lição da pandemia mostre que o “fetiche da economia” não pode se sobrepor aos valores humanistas que necessitamos, à justiça, equidade, paz e amor ao próximo.
Mas é natural que os controles de contágio fiquem mais rigorosos, que os dados de monitoramento sejam cada vez mais aperfeiçoados, juntando a internet das coisas com o “bigdata” e a inteligência artificial. Enquanto melhoria da saúde isso é ótimo, mas essa tecnologia poderá também ser intrusiva e controladora de uma forma que 1984, do Orwell, poderá parecer apenas um pesadelo pueril. Esse é um dos desafios que a humanidade tem pela frente.

PSS – O que as pessoas podem esperar da Frente Cultural de Apoio ao Dia Mundial da Língua Portuguesa para a comemoração no próximo 5 de maio?

CS- Toda a nossa programação ao vivo foi cancelada, obviamente, devido à pandemia.
Porém a maioria das nossas ações, por serem uma iniciativa de abrangência mundial, foram fáceis de adaptar.
Assim, realizaremos quatro webinários (seminários na web) no próprio dia 5, que ocorrerão ao vivo online e posteriormente a gravação será publicada no You Tube. 
Outra iniciativa, que está entusiasmando bastante gente e ganhando adesões de várias partes do mundo, é a nossa “rede de vídeos” de depoimentos sobre a língua portuguesa. Estámos a convidar as pessoas para darem seu depoimento, dizendo quem são e onde estão, e compartilhando algo sobre a forma de falar de sua região ou país.Convido a todos para assistirem os interessantes e diversificados vídeos que estão a serem publicados  no flipgrid.
Outro projeto importante da frente cultural é a realização de diversas editatonas (maratonas de edição) na Wikipédia. Esta é a maior iniciativa mundial de compartilhamento colaborativo de conhecimento gratuito. Aberta, participativa, a enciclopédia online possui versões em cerca de 260 idiomas de todo o planeta, com mais de 50 milhões de artigos (verbetes), escritos por mais de 85 milhões de colaboradores ativos. Embora nosso idioma seja o 5º mais falado do mundo, na Wikipédia estámos apenas  em 15° lugar, com mais de um milhão de artigos em língua portuguesa.
Então, uma das ações que a frente cultural decidiu fazer, e para tal procurou parceiros como a Wiki Media no Brasil, as Edições Sesc e a Câmara Brasileira do Livro, através de sua Comissão de Promoção de Conteúdos em Língua Portuguesa, foi a realização de editatonas na Wikipédia para aprimorar artigos e criar novos, incorporando verbetes relacionados a nossa cultura, pesquisando e traduzindo conteúdos de outras wikipédias e produzindo cursos online como suporte às ações presenciais dessas maratonas de edição. Porém, devido ao isolamento social, deixamos para iniciar estas ações a partir desta primeira comemoração do 5 de maio, talvez realizando alguns eventos presenciais somente no segundo semestre.

PSS – Por que o português é a única língua com Dia Mundial intitulado pela UNESCO?

CS- É o primeiro idioma a ter um Dia Mundial criado pela ONU, mas prevê-se, e está em estudos, a criação de datas específicas para outros idiomas. Será a primeira vez dessa comemoração mundial, pois a data foi criada pela Unesco recentemente, em novembro de 2019.
A proposta partiu da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa, hoje integrada por Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, e Timor-Leste), que já adotavam a data como Dia Internacional da Língua Portuguesa nesse mesmo dia 5 de maio.

PSS – Sua relação com sua terra natal continua próxima? Suas obras também são lançadas em Portugal?

CS- O Brasil é a terra que adotei, como uma esposa ou companheira, e Portugal é como minha mãe, onde nasci. Mantenho muitos laços com a cultura portuguesa, inclusive antes da Revolução dos Cravos eu colaborava com a oposição portuguesa no Brasil (no jornal Portugal Democrático). Após a derrubada do regime fascista participei ativamente na criação e direção do Centro Cultural 25 de Abril, realizando feiras do livro, festivais de cinema etc., além de haver militado também na Associação Cultural Agostinho Neto, de amizade e solidariedade a Angola.
Estou com um projeto, em conjunto com o parceiro José Santos, com o qual escrevi o livro infantil “Pequenas Histórias Sem Fim”, e com a Editora Cria, para fazermos um piloto em Braga e depois, quem sabe, alcançar o restante de Portugal. Em breve teremos notícias para contar. Com relação a outras obras, isso dependerá muito das editoras portuguesas, que espero poder vir a publicar nelas.


Ferreira Gullar, Ernest Hemingway entre outros grandes autores tinham gatos como companheiros na rotina literária. O polivalente Carlos Seabra tem Alfredo como confrade na rotina profissional

PSS – No último 14 de março você lançou em São Paulo, com o escritor mineiro José Santos, o livro infantil “Pequenas Histórias Sem Fim”, uma obra interativa em que o pequeno leitor é levado a finalizar as histórias. Qual o fim mais curioso que vocês como autores tiveram conhecimento?

CS - Pois foi a última vez que saí de casa e estive com outras pessoas! Ainda estamos para começar a receber finais imaginados pelas crianças (e esse é basicamente o escopo do nosso projeto em Braga), mas no lançamento que fizemos na cidade de Alfenas, em Minas Gerais, eu fiquei surpreso com dois finais.
Um, para a história “O vampiro”, de um conde chamado Vladimir, que servia lautas refeições a seus convidados e então… uma criança disse que na verdade o vampiro era vegetariano e que as pessoas não existiam, eram apenas suas alucinações.
Outra, uma menina, para a história “O revólver do pai”, um terror bem moderno e atual, inventou um final feliz, que termina só com o susto dos dois irmãos que fizeram o revólver, que estava carregado no alto do armário de seu pai, disparar e varar o chão, atingindo o peixe no aquário da vizinha do andar de baixo!

PSS – Obrigada!

SERVIÇO:
Confira a programação dos webnários (Seminários na web)http://dmlp.utopia.com.br
Dia: 05/05/2020
Horário:  A  partir das 14h30
Quanto: Grátis
Nota: O público  poderá participar fazendo perguntas pelo chat, por escrito. Depois o material será publicado no You Tube.
Visite o Flipgrid - DMLP e encante-se com os depoimentos de amor a Língua Portuguesa de ímpares profissionais ao redor do globo terrestre. Divirta- se!

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