Sofro
para encaixar as pernas nos aviões atuais. Se as deixo juntas, meus joelhos
ficam prensados contra as costas do banco da frente; quando tento abri-las,
incomodo quem está ao meu lado.
Num
voo para Manaus, o único lugar que consegui foi na fileira do meio. Na janela,
estava um rapaz de camiseta e boné, com as pernas maiores do que as minhas.
Enquanto
meus companheiros de infortúnio entravam em fila ordenada e arrumavam seus
pertences nos bagageiros, só não rezei para que o banco à minha direita
permanecesse vazio porque não compreendo como os crédulos podem imaginar a
existência de um ser superior com discernimento, perspicácia e tempo livre para
as pequenas desventuras de cada um dos 7 bilhões de seres humanos espalhados
pelo planeta.
Quando
vislumbrei na fila um passageiro com mais de cem quilos, tremi nas bases. Não
sei se você, leitor, é menos azarado, mas a meu lado jamais senta uma mulher
bonita e agradável. No embarque, quando vejo alguma com tais atributos, tenho
certeza absoluta de que a meu lado não ficará.
Como
estava no fundo do avião, a esperança de que meu viçoso companheiro de viagem
encontrasse seu assento mais à frente só me abandonou quando ele parou
sorridente:
-
Lamento, mas você foi sorteado para sofrer esse aperto junto comigo, nas
próximas três horas e quarenta e cinco minutos.
A
simpatia foi uma punhalada em meu coração. Para chegar se desculpando daquele
jeito, em quantos voos o pobre homem não teria notado a rejeição estampada na
face de idiotas como este que vos escreve.
Apesar
da culpa, reconheci que não seria fácil viajar entre o rapaz de boné, com uma
das pernas invadindo o espaço microscópico teoricamente reservado para mim, e o
passageiro de corpo avantajado, que me forçava a manter encolhidos o braço e o
ombro.
Entre
os dois, onde apoiar o computador para terminar o trabalho? Situação pior, só a
do cidadão à minha direita, com o corpo que transbordava os limites da
poltrona.
Com
muita dificuldade, consegui acomodar o computador no colo, numa posição
desajeitada que me permitia enxergar a tela e tocar no teclado, contanto que
permanecesse imóvel.
Às
tantas, meu vizinho transbordante me cutucou:
-
Acabei de ler esse seu livro, "Carcereiros". Você devia escrever sobre os
spas.
-
Spa?
-
Porque os spas são iguais às cadeias.
Ele
havia ganhado mais de 30 quilos nas últimas décadas. Preocupados, a esposa e os
filhos insistiram durante anos para que se internasse num spa. Diante da
resistência do principal interessado, planejaram uma chantagem terrível: não
levariam mais os netos para ver o avô.
-
Quando me deixaram na porta do spa com a malinha, senti que nunca mais
recuperaria a liberdade. Deu vontade de chorar.
A
rotina diária confirmou suas piores expectativas:
-
No almoço, cem gramas de frango grelhado, meia cenoura cozida e duas folhas de
alface. No jantar, um caldo tão ralo que nem a sede matava. De manhã, um
pedacinho de mamão, uma fatia de pão de forma com requeijão com gosto de isopor
e uma xícara de chá.
Depois
do café, caminhada ao ar livre e uma hora de hidroginástica. À tarde, exercícios
na academia. No terceiro dia, sentiu o organismo fraquejar; no quarto, simulou
um quadro gripal para passar o dia na cama. Em uma semana, perdeu três quilos,
mas ficou revoltado.
Tinha
vivido na pobreza extrema quando criança. Trabalhar até ficar bem de vida para
passar fome novamente não fazia sentido para ele.
Nesse
estado de espírito, perguntou para o guarda da noite quem vendia os melhores
salgadinhos da cidade. O rapaz lhe disse que vinha gente de longe atrás das
empadas de palmito e coxinhas de frango com catupiry que uma senhora fazia. Meu
vizinho de poltrona não se fez de rogado:
-
Subornei o guarda para me trazer meia dúzia de cada.
Nos
dias seguintes cometeu uma imprudência, no entanto:
-
Caí na besteira de oferecer para outro gordo que também passava mal de tanta
fome.
Infelizmente,
o companheiro não respeitou o sigilo combinado:
-
Começou uma romaria noturna no meu quarto. Precisei comprar duas dúzias por dia.
Vinha tanta gente que fui obrigado a pregar um aviso na porta: "Depois das 23
horas, não atendo mais ninguém".
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