Sou Vasco da Gama, meu bem!

DO TEXTO:





Por: Vinícius Faustini

Nasci a 23 de agosto de 1983. Dois dias depois de mais um aniversário do Clube de Regatas Vasco da Gama. Mas talvez eu me tornasse torcedor do Flamengo. Meu pai era torcedor vascaíno, mas tão desatento que mal sabe até hoje quem é o goleiro atual do Vasco. Por parte de mãe, uma família repleta de rubro-negros. Só que, ainda com poucos meses de vida, este que vos escreve recebeu do padrinho Darly Nerty Vervloet Júnior uma roupinha branca, com listra transversal em preto e uma cruz à altura do peito em vermelho. Era o primeiro sinal.

Nos meus primeiros anos, confesso que não era tão atento a futebol quanto sou hoje, talvez por isto eu me emocione feito criança, para compensar a ausência dele em tanto tempo da minha vida. Tanto que o primeiro grito de "é campeão" do qual me lembro data apenas de 1992, quando eu já tinha 9 anos. O Flamengo acabara de ser campeão brasileiro numa final sobre o Botafogo(o torneio tinha sido disputado no primeiro semestre) . E, de repente, não mais que de repente, começa um novo campeonato, o Estadual, numa edição atípica - sem Maracanã, pois parte da arquibancada cedeu antes do jogo final, e comprovou que o estádio precisava de uma obra.

O Vasco passou por vários adversários sem ter nenhuma derrota, e, na final, um heroico empate, com gol de empate marcado por Carlos Alberto Dias diante do Flamengo, deixou o meu time à frente do "melhor do Brasil" na disputa da Taça Guanabara. Eu via as partidas de Roberto Dinamite, que meu padrinho me dizia que era o mais importante ídolo da história do clube, e que fazia seu último campeonato como jogador. E começava a ser apresentado a outros jogadores que fariam parte da minha infância: Carlos Germano, Jorge Luiz, Luisinho, Bismarck, Edmundo, e até um jogador de bigode engraçado que mais tarde daria títulos cariocas ao Vasco. O primeiro decisivo veio em 1992. O zagueiro Tinho cobrou uma falta, o goleiro do Bangu bateu roupa e o bigodudo Valdir chutou para o fundo da rede. A vitória por 1 a 0 deu o título da Taça Rio e o título do Campeonato Carioca por antecipação. Flamengo, Fluminense e Botafogo comiam poeira naquele Estadual.

Demorei muito para aprender o que era perder como torcedor do Vasco. Em 1993, o Estadual voltou a ser disputado no primeiro semestre, e o time (mesmo com as ausências de Luiz Carlos Winck, Edmundo e Roberto Dinamite) foi muito bem na Taça Guanabara. Só nas duas primeiras partidas, uma goleada por 4 a 1 sobre o Bangu e um 6 a 0 sobre o América de Três Rios. Mas, justo na despedida de Roberto Dinamite, num jogo amistoso no qual Zico atuaria pelo Vasco em homenagem a Roberto, o Vasco perdeu. Sem ainda ter noção da dimensão daquela despedida, do alto dos meus 9 anos fiquei reclamando a noite do técnico Joel Santana. Se ele não tivesse tirado Carlos Alberto Dias e Valdir para colocar Zico e Dinamite, o time não teria perdido por 2 a 0 para o La Coruña.

Mesmo com algumas derrotas no percurso, veio o bicampeonato naquele ano e, em 1994, o bi se trasnformou num inédito tricampeonato carioca. Nestas duas temporadas, comecei a me familiarizar com outros nomes, desde os meninos Yan, Gian e Pedro Renato (formados no próprio clube), até o xerifão Ricardo Rocha, zagueiro de Seleção Brasileira e o menino que era mistura de Garrincha com Pelé: Dener.

A primeira grande perda que eu senti como torcedor vascaíno aconteceu em 19 de abril de 1994. Naquele dia, eu soube pela minha mãe que Dener, o menino habilidoso e driblador que chegou ao Vasco para vestir a camisa 10 no Campeonato Carioca, faleceu num acidente de carro. Depois de um grandioso início de carreira na Portuguesa e uma passagem pelo Grêmio, ele chegava a São Januário com data para ir embora. Era um empréstimo, e em seguida ele iria para o Stuttgart, da Alemanha. Mas uma fatalidade fez meu sorriso de torcer por ele se transformar numa saudade. Ele estava de carona num carro, voltando para o Rio de Janeiro, e dormia com o banco deitado. O motorista perdeu a direção, o carro bateu numa árvore e, com o impacto, o corpo de Dener foi impulsionado. O pescoço parou no cinto de segurança, e isto foi fatal. Mesmo assim, o time vascaíno prosseguiubem no Estadual, recuperou uma vantagem do Flamengo no quadrangular final, e com um 2 a 0 sobre o Fluminense, com dois gols de Jardel, chegou ao seu tricampeonato.

Nos anos seguintes, aprendi a conviver com um jejum maior de títulos, e comecei a me acostumar com a realidade que estava às portas de acontecer no futebol brasileiro: as constantes mudanças de jogadores e, em ainda maior proporção, as mudanças de técnicos, ainda mais quando um time está em crise. Também percebi que nem sempre manter a base de uma equipe por muito tempo pode dar certo. Todo campenato, saíam e entravam jogadores, e a cada início de competição vinha a certeza de que tudo ia melhorar. Só que às vezes isto não dá certo. Vi Sebastião Lazaroni, Nelsinho Rosa, Abel Braga, Jair Pereira, Zanata, Carlos Alberto Silva e Alcir Portella assumirem o comando do futebol. Todos de maneira efêmera e mal-sucedida. Até chegar Antônio Lopes, que ficou por quatro anos vitoriosos.

Vi Edmundo voltar, marcar três gols no Flamengo em jogo de reestreia de Bebeto no rival que terminou com vitória por 4 a 1, provocar o zagueiro botafoguense Gonçalves na primeira partida da final do Estadual de 1997 e na segunda o Botafogo ser campeão, fazer gols importantes aqui, perder a cabeça e ser expulso ali. E no mesmo 1997, me encher os olhos e me fazer perder a voz com tantos gols marcados. Mas, no fascínio de torcedor, ainda sobrava espaço pra ver a confiança que passava Carlos Germano no gol, a zaga com Mauro Galvão jogando com toda sua categoria enquanto Odivan chutava para onde o nariz apontava, os dribles de Felipe, que ainda atuava na lateral, os talentos de Juninho, Ramón e Pedrinho, e o veterano Evair, que muitos flamenguistas desdenhavam, chamando de velho, mas que passes melhor que muito novinho de futebol.

E veio 1998. Após a conquista do Campeonato Carioca, vencendo os dois turnos e vencendo no campo até a tentativa baixa dos grandes clubes, que tentaram esvaziar a competição não comparecendo a seus jogos, veio toda a espera pelo grande sonho da história vascaína. Que, àquela altura, depois de minha tendência de pesquisador ter trabalhado durante tantos anos para conhecer os detalhes de um clube centenário, também se confundia com a minha. Das incertezas nas duas primeiras derrotas da Libertadores, a confiança veio ao passar da primeira fase. No rádio ou na TV a cabo, eu respirava Vasco, que vencia no Rio e se desdobrava para empatar fora. A vontade de que o Vasco vencesse era tanta que minha tia, com fama de pé-frio, só pôde chegar perto da televisão depois que tinha encerrado a partida contra o River Plate no Monumental de Nuñez. Juninho tinha feito um golaço de falta e empatado a partida a oito minutos do fim. Gol suficiente para a ida à final. Ela dizia do quarto dela: "já acabou?". E eu berrava, do meu quarto, sem tirar o olho da TV: "Fica aí! Fica aí!". E meu padrinho, apesar de rir, não se opunha muito ao "cárcere privado".

O primeiro jogo da final contra o Barcelona de Guayaquil foi a quatro dias de eu completar 15 anos. Já que eu não poderia ter como presente ir a São Januário para assistir ao jogo, restava a TV da minha casa, em Vitória, da onde vi Donizete e Luizão fazerem os dois gols do jogo no Rio. Na semana seguinte, mesmo tendo prova na escola logo na manhã que viria, fiquei acordado para assistir ao jogo e à festa feita no Equador depois da vitória por 2 a 1.

Pode parecer estranho, mas a perda do Mundial Interclubes para o Real Madrid em dezembro daquele ano não vem com tanta força para mim. Primeiro, por eu estar na aula durante a realização desta partida. Segundo, pela dor de cabeça que me deu esta porcaria deste jogo. Eu tinha começado a passar mal de infecção intestinal no domingo. Na terça-feira (dia da partida de Tóquio), fui à aula mesmo doente, mas de tarde meu problema intestinal chegou ao ápice, a ponto de eu parar no hospital. Só retornei à escola sexta-feira, mais magro. Espalharam neste meio tempo que eu tinha feito greve de fome, e em casa meu pai achou que eu tinha passado mal por causa do jogo entre Vasco e Real Madrid. Tolinhos, mal sabem que, por maior dimensão que a partida tenha, não abala a paixão de um vascaíno.

Tanto que vieram algumas perdas em decisões, todas para o Flamengo. Sim, claro, todas para o Flamengo! Porque, independente da camisa do time que tenha derrotado o Vasco (Real Madrid, Palmeiras, Corínthians,...), sempre torcedor flamenguista se acha no direito de ironizar a torcida vascaína. Mistérios que só a torcida adversária pode decifrar. Ou não.

Um deles me ligou no intervalo de Palmeiras e Vasco, partida decisiva da Copa Mercosul. Os palmeirenses venciam por 3 a 0, e o flamenguista me dizia ao telefone que o Vasco mais uma vez seria vice-campeão, que sempre caía na final e blá-blá-blá. 45 minutos, três gols de Romário e um de Juninho Paulista depois, o país aprendeu que tem de respeitar um time movido a superação, o "time da virada" que tanto orgulho dá a seus torcedores. Orgulho que se estendeu ao início de 2001, quando finalmente houve a final entre Vasco e São Caetano, e do Maracanã veio mais um título brasileiro.

Mas o novo milênio aos poucos foi trazendo o ônus de todas as tramoias que ficaram por trás de muitos momentos do clube. O timaço de 2000 foi se debandando aos poucos, a ponto de não haver nem mais um décimo da qualidade que já tinha vestido a camisa do Vasco. De uma hora para outra, tive de dar adeus a Hélton, Mauro Galvão, Jorginho Paulista, Juninho, Juninho Paulista, Euller, Romário e procurar arrancar algum motivo para torcer por bondes como Ygor, Yves, Zada, Léo Macaé, Ely Thadeu. Tantos nomes que davam arrepios, nem dava para diferenciar quando surgia algum menino promissor.

Em 2002, me mudei para o Rio de Janeiro, numa época em que os times do estado estavam em baixa no cenário nacional. Só fui ao Maracanã pela primeira vez morando na cidade em 2003. Vasco e Fluminense fariam a final do Campeonato Carioca, e uma colega de faculdade (que iria com o namorado e o primo dela, ambos vascaínos) me chamou para ir também. A emoção de ver o estádio 10 anos depois da primeira vez que entrei nele (em 1993, também num Vasco e Fluminense, quando fui de excursão para assistir à primeira partida da final do Estadual daquele ano, um 2 a 0 para o Vasco) foi tão intensa quanto aquele passe de letra do Léo Lima que Cadu evitou que saísse pela linha de fundo, e entregou para Souza marcar o segundo gol da vitória por 2 a 1.

Mas a rotina de ir ao estádio se confirmou mesmo no meu itinerário a partir de 2005. Aprendi a ir até São Januário de ônibus, e ia a qualquer dia e a qualquer hora que tivesse jogo. Apenas num dia de 2007 minha tia tentou me demover da ideia. Vasco e Atlético Paranaense jogariam naquela noite a segunda partida na primeira fase da Copa Sul-Americana. Os vascaínos tinham vencido por 4 a 2 no Paraná, e ambos colocariam suas equipes reservas em campo, num jogo às 21h50 com transmissão da TV. De tanto ela insistir para eu não ir, perguntei: "Quer ir comigo?". Ela disse sim. E nunca mais quis deixar de ir a São Januário.

Em São Januário, no Maracanã e, por duas vezes, em Volta Redonda, eu estive para ver jogo do Vasco. Vi a desesperança criada por décadas de desmandos políticos e financeiros culminar numa queda para a Segunda Divisão do Campeonato Brasileiro, da qual nem as boas intenções de Roberto Dinamite solucionaram os problemas criados por Eurico Miranda. Das lágrimas derramadas no estádio, após a derrota por 2 a 0 para o Vitória, algumas saíram dos meus olhos. E das lágrimas de alegria do Maracanã, 11 meses depois, quando veio o título da Série B, conquistado após uma vitória sofrida por 2 a 1 contra o América de Natal. E a certeza de que os cães ladram e a caravela passa.

Passa, e a cada partida eu estarei lá, na frente da TV ou na arquibancada, para viver mais 90 minutos no limite entre a apreensão e o êxtase, entre a dor e a alegria, entre os xingamentos e o grito de gol. Porque o menino que aos 9 anos queria fazer gols que nem o Edmundo, o Roberto Dinamite e o Valdir, mas era ruim com os pés, o menino que tentou ser um goleiro igual ao Carlos Germano, mas só ia para o gol porque era alto e não jogava nada, cresceu, mudou de cidade e se formou em Jornalismo pela PUC-Rio. Hoje, ele é sócio do Clube de Regatas Vasco da Gama, e vai para a arquibancada, a cada jogo ansioso tornar a torcida vascaína ainda mais imensa e mais feliz.

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O VASCO QUE EU VI JOGAR

Este que vos escreve agora ousa fazer uma escalação com o melhor Vasco que eu vi jogar em todos os tempos. Desde já, ressalto que não incluo Roberto Dinamite, por ser um ídolo fora-de-série da história do clube. Ao lado do nome do jogador, segue as temporadas nas quais estiveram com a camisa do clube:

1 - Carlos Germano (1991-1999 e treinador de goleiros desde 2008)

2 - Vágner (1998-1999)

3 - Mauro Galvão (1997-2000 e foi técnico do Vasco em 2003)

4 - Ricardo Rocha (1994-1995)

6 - Felipe (1997- 2000, 2002 e 2010 até os dias de hoje)

5 - Luisinho (1991-1993, 1994 a 1995 a 2000)

8 - Juninho (1995- 2001)

10 - Juninho Paulista (2000-2001)

9 - Edmundo (1992, 1996-1997, 1999-2000, 2003- 2004, e 2008)

7 - Valdir (1992-1994 e 2002-2003)

11 - Romário (1985-1988, 1999-2002, 2005-2006, 2007-2008)

Obs.: os jogadores que estão incluídos não necessariamente são ídolos ligados ao Vasco da Gama. São jogadores com futebol que me emocionou e que me deram alegria enquanto eles estiveram com a camisa do Vasco.






DE GAMA A VASCO, A EPOPEIA DA TIJUCA
Adalto Magalha, Serginho do Porto, Márcio Paica e Adílson Gavião



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1 Comentários

Comentários

  1. Oi Vini!

    Meu amigo, que cabecinha!
    Lembrar e descrever tudo isso da sua vida, não é fácil.
    Mas como sempre arrasou!

    Esse seu jeito de escrever, prende a gente.Eu fiquei aqui te imaginando criança, que depois foi crescendo.Me emocionei.
    Você é grande.
    Gostei do sambão também.

    Parabéns vascaíno!

    Beijos,
    Carmen Augusta

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