Literatura infantil: autoconhecimento ou compreensão da vida?

DO TEXTO:

Como histórias infantis que abordem a questão da morte, do passado e de temas afins, podem ajudar as crianças a lidarem com os problemas da vida

Emília, Narizinho, Dona Benta... essas e outras personagens do Sítio do Pica-Pau Amarelo marcaram a infância de muitas gerações, obra literária criada por um dos maiores escritores infanto-juvenis da literatura brasileira: Monteiro Lobato (1882–1948). Como forma de homenageá-lo, desde 2002, em 18 de abril, data de seu nascimento, é celebrado o Dia Nacional da Literatura Infantil.

Lobato se destacou por levar crianças e adolescentes, por meio de seus enredos e personagens, ao universo da história universal e folclorista do Brasil; além disso, foi o precursor daquilo que podemos chamar de literatura paradidática no país. Trata-se de leituras destinadas a desenvolver o aprendizado da criança de forma lúdica e diferente daquela oferecida pelos livros didáticos tradicionais.

Para o doutor em Literatura, pesquisador e especialista em imagens, Prof. Dr. Jack Brandão, a importância deste tipo de leitura é fundamental para estimular a cognição da criança. “Desde nosso nascimento somos cercados por imagens e nos tornamos consumidores imagéticos vorazes. Diante disso, a maneira como a palavra é associada à imagem torna-se primordial para que a criança desenvolva seu aprendizado a partir da compreensão dessas associações. Por isso, a ludicidade deve estar presente nesta relação desde cedo”.

Outro aspecto de fundamental importância para o professor é abordar assuntos tidos como complexos, por meio da literatura infantil, para que as crianças aprendam, desde cedo, a compreender os problemas da vida. “Quando analisamos contos infantis, como Branca de Neve ou Chapeuzinho Vermelho, é possível perceber que abordam questões complexas como a morte, o sofrimento, a perda, e isso se torna essencial para o desenvolvimento da criança. Todavia, há hoje discussões se tais temas devem ou não ser abordados com os pequenos.” Sua resposta não poderia ser outra: “Não só devem, como precisam ser tratados!”

Para Brandão, que também é escritor, a retirada de tais questões é perniciosa para a criança por inseri-la num mundo fantasioso, não da fantasia, desprovido de problemas, o que poderá impedi-la de lidar com as frustrações da vida e de desenvolver uma visão crítica do mundo. Em sua obra Douglas e o Livro de Luz, Jack Brandão ressalta, exatamente, tais questões com o intuito de despertar uma leitura crítica nos leitores. Ao narrar a história de um garoto e de seus amigos, que precisariam decifrar códigos imagéticos com o objetivo de encontrar um livro com a luz de todo o conhecimento humano, o escritor mostra as diversas vicissitudes por que eles precisam passar para obter o que procuram.

De acordo com Brandão, à medida que as personagens vão desvendando tais códigos, descobrem não apenas o valor da amizade e da união, como também uma série de reveses no caminho: “São aspectos que precisam ser sempre trabalhados pelos indivíduos e, quanto mais cedo, melhor. Tendemos a fugir e a evitar assuntos como a morte, por exemplo, no entanto as pessoas se esquecem de que todos nós morreremos e de que a criança também está sujeita a perder quem ama. Por isso, quanto mais cedo for preparada para lidar com esse momento, melhor. Não significa assustá-la, mas abordar o assunto de forma natural. A literatura, por sua vez, pode ajudar muito nesse sentido”.

Outra questão abordada pelo pesquisador em seu livro é a importância de conhecer o próprio passado e de descobri-lo, como forma de autoconhecimento e de compreensão daquilo que vivemos no presente. Tal assunto também deve ser estimulado desde cedo, para que a criança jamais se contente com a mera informação pronta e acabada: “É preciso questionar sempre, pesquisar sempre, recorrer sempre a outras fontes e nunca aceitar, de maneira passiva, tudo o que nos é imposto ‘despretensiosamente’. Quanto mais cedo agirmos dessa maneira, mais estaremos contribuindo para transformar nossas crianças de meras leitoras passivas do mundo (se se tornarem ‘leitoras’!), em interventoras sociais que veem o passado com olhos argutos, não desprezando suas lições.”

Dr. Jack Brandão, portanto, ressalta que o indivíduo, independentemente da idade, aprimorará, dessa maneira, seu acervo mental de imagens, chamado pelo pesquisador de iconofotológico: “Todos possuímos esse acervo, o qual vai se transformando no decorrer de nossa existência. Conforme somos estimulados, desde cedo, a desenvolver uma visão crítica de mundo, nós ampliamos esse estoque e, assim, ele não ficará limitado a determinada visão ou interpretação”, conclui o professor, ao afirmar que a literatura é uma das melhores formas de ampliar os horizontes do indivíduo desde pequeno.

Sobre o Prof. Dr. Jack Brandão:
Doutor em Literatura pela Universidade de São Paulo (USP), pesquisador sobre a questão imagética em diversos níveis, como nas artes pictográficas, escultóricas e fotográficas. Autor de diversos artigos e livros sobre o tema no Brasil e no exterior. Coordenador do Centro de Estudos Imagéticos CONDES-FOTÓS Imago Lab e editor da Lumen et Virtus, Revista interdisciplinar de Cultura e Imagem. Mais informações: condesfotosimagolab.com.br

POSTS RELACIONADOS:
Enviar um comentário

Comentários