Morador da Vila da Penha há 20 anos espalha, pelas ruas da região, cultura e o amor aos livros

DO TEXTO:
Evandro e a caixa de livros, onde os exemplares podem ser retirados de graça
Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo

Geraldo Ribeiro

Pelo menos uma vez na semana, Evando dos Santos, de 58 anos, se veste de “homem-livro” — uma fantasia feita de plástico e papelão com cópias de páginas escritas — e sai distribuindo exemplares de obras da literatura brasileira, além de revistas com histórias em quadrinhos, pelas ruas da Vila da Penha, na Zona Norte, onde mora há mais de 40 anos. O pedreiro que nunca frequentou escola e aprendeu a ler sozinho, a partir de um exemplar da Bíblia, já virou personagem de romance publicado na Itália e tema de tese de doutorado, no Brasil. O homem que tem dedicado os últimos 20 anos a espalhar a cultura e o gosto pela leitura pela região é o personagem de hoje da série “Extraordinários”, que aos domingos conta a história de pessoas que ajudam a mudar a vida de outras.

Vestido de homem-livro, Evando espalha cultura pela região Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo

Além de ter fundado em 1998 a Biblioteca Comunitária Tobias Barreto, no seu bairro, ele segue incansável na sua jornada pelo incentivo ao hábito de ler. Entre as várias inciativas neste sentido, estão palestras em escolas, concursos literários e a construção da “caixa da leitura”, uma estrutura feita de cimento, na Praça do Largo do Bicão, onde são depositados livros e gibis que podem ser retirados gratuitamente. Recentemente, ele criou ainda o projeto dos bancos literários.

São bancos comuns de praça, estruturas de cimento que já existiam, mas foram pintados por ele de amarelo e ganharam imagens de autores nacionais como Clarice Lispector, Tobias Barreto, Machado de Assis e Carlos Drummond de Andrade, entre outros, acompanhadas de trechos de textos desses escritores. A ideia é que, a partir desse primeiro contato com os artistas, as pessoas busquem mais informações e outras obras deles.

— O brasileiro lê muito pouco. Toda nossa miséria está em não gostarmos de ler e não conhecermos nossos autores. A ideia é não parar de falar de livro e leitura. Se eu conseguir tocar uma em cada dez pessoas, já valeu — diz Evando.

Bancos literários homenageiam autores nacionais Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo


Trechos de literatura no cimento

A dona de casa Marinalva Silva, de 41 anos, nunca tinha ouvido falar de Cora Coralina, até a última quinta-feira, quando se sentou no banco do Largo do Bicão que homenageia a poetiza. Mas, ao tomar conhecimento do trabalho da escritora goiana, morta em 1985, a partir de um trecho do poema “Israel”, disse que vai buscar mais informações sobre a autora.

— A internet está aí para isso. Vou pesquisar melhor e tentar conhecer um pouco mais o trabalho dela — prometeu.

O aposentado Celino Demétrius, de 67 anos, que lia o jornal no banco dedicado a Graça Aranha e Tobias Barreto, elogiou a iniciativa.

— Ajuda as pessoas a se interessarem pelo trabalho dos escritores. Melhor que estar coberto de pichação — defendeu.

A jornada de Evando em favor da leitura começou em 1998, ao ganhar os primeiros 50 livros que deram origem à biblioteca comunitária da Rua Maestro Henrique Voegeler 348, projetada por Oscar Niemeyer . O local guarda hoje 70 mil exemplares. Se alguém não devolve a publicação, em vez de ficar triste, ele se alegra de ter conquistado o leitor.

— Tenho Evando como uma das pessoas essenciais para o Rio, porque é o maior incentivador do livro e da leitura. Sua paixão pela literatura é uma coisa impressionante. Como educador tenho o dever de incentivar a leitura, mas sou profissional e ganho para isso. Ele o faz por paixão. O ser humano é curioso e atraído por coisas novas. Iniciativas como os bancos literários atraem as pessoas para a cultura e fazem disso um vetor de conhecimento. Já ouvi depoimentos de pessoas que passaram a se interessar pela literatura a partir dessa experiência. Os bancos ajudam a incentivar a leitura — Afirma Erinaldo Santos, professor, filósofo e escritor.


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