Saúde Mental – Entre o neurológico e o psiquiátrico

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Com o objetivo de promover reflexões sobre os problemas de saúde mental que afetam mais de 400 milhões de pessoas em todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), além de disseminar informações que possam contribuir para diminuir este índice, a World Federation for Mental Health instituiu, em 1992, o Dia Mundial da Saúde Mental, que passou a ser celebrado todos os anos no dia 10 de outubro. 

As doenças mentais sempre fizeram parte da história da humanidade. Em séculos passados, pessoas que sofriam de distúrbios da mente eram afastadas da sociedade por serem consideradas “loucas” e estavam destinadas a passarem os restos de suas vidas isoladas e, futuramente, em hospitais psiquiátricos, nos quais não recebiam tratamentos específicos.

O primeiro hospital psiquiátrico fundado no Brasil foi o Hospício Pedro II, no Rio de Janeiro, em 1852. Naquela época, os médicos se dedicavam à reabilitação dos pacientes, estimulando-os a participarem de oficinas de capacitação, e muitos acreditavam na cura das doenças por meio de métodos que envolviam desde soluções milagrosas a mutilações. 

Pouco se sabia sobre transtornos mentais, ainda que alguns anos antes, em 1840, a Associação Americana de Psiquiatria (APA) divulgava a 1ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, que classificava as doenças em sete categorias distintas: mania, melancolia, monomania, paresia, demência, dipsomania e epilepsia. Além de registrar a frequência dos distúrbios, o objetivo era viabilizar a comunicação entre os profissionais ao fornecer uma padronização na linguagem psiquiátrica.

E assim, no decorrer dos anos e de vários estudos, os médicos tiveram uma maior compreensão do que se tratavam as doenças mentais e quais eram os fatores determinantes para o seu surgimento, entre eles, a genética. “No caso das doenças mentais graves, a pré-disposição hereditária é muito grande. Sempre existem histórias familiares de suicídio, alcoolismo, internações psiquiátricas etc. Essas coisas são prenúncios de uma genética ruim”, explica Guido Arturo Palomba, psiquiatra forense e diretor Cultural da Associação Paulista de Medicina (APM). 

Alguns transtornos mentais graves causam comprometimento neurológico e estão associados a alguma doença ou problemas como traumatismo craniano ou acidente vascular cerebral (AVC). Os quadros psiquiátricos associados a lesão neurológica tendem a ser mais graves dos que aqueles em que não há lesão identificável, como aqueles que ocorrem após uma vivência dolorosa como a perda de um ente querido, por exemplo. 

Sendo assim, não é todo transtorno mental que está relacionado a uma doença neurológica. No entanto, Leonardo Cruz de Souza, vice-coordenador do departamento científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), reforça que a linha que as separam é muito tênue. “Há um pressuposto de que existe uma dissociação entre doença psiquiátrica e neurológica. Mas, na verdade, tanto uma quanto a outra são ‘frutos’ do mesmo órgão, que é o cérebro. Os dois grupos de doença têm uma base neurobiológica. Há várias doenças neurológicas com manifestações psiquiátricas, como nos casos de pacientes com Parkinson e Alzheimer, que podem ter transtorno depressivo, e também doenças psiquiátricas com transtornos neurológicos, como alterações cognitivas ou de memória em pacientes psiquiátricos. Se existe tal dicotomia, ela é bastante frágil”, diz o neurologista. 

Principais doenças neurológicas ligadas à saúde mental
“Essas manifestações psiquiátricas permeiam um vasto espectro de doenças neurológicas e cabe ao clínico identificar a característica fenomenológica correta. As doenças psiquiátricas mais comuns são depressão, ansiedade e transtornos de personalidade. Também podemos citar transtornos psiquiátricos associados a doença neurológica, como transtorno de ansiedade em pacientes com enxaqueca e os quadros depressivos vinculados às doenças cerebrovasculares, como pacientes que tiveram sequelas do AVC. Todas as doenças neurológicas são passíveis de terem relação com os transtornos psiquiátricos”, pontua Souza. 

Já o psiquiatra Guido Arturo Palomba chama a atenção para outras doenças que podem comprometer o sistema nervoso central, como a sífilis cerebral, o AVC e a aterosclerose cerebral, e em como preveni-las. “Para a sífilis, o principal método de prevenção é a camisinha. Para os casos de AVC, o primordial é cuidar da alimentação, praticar exercícios físicos, diminuir o estresse e evitar pressão alta. Já a aterosclerosecerebral envolve todos os cuidados que devemos tomar ao longo da vida, como evitar o uso de drogas ou abuso de álcool, pois as consequências surgem na velhice”. 

Avanços na Medicina em prol da saúde mental 
“Claramente, no meu entender, os recursos que temos atualmente não são suficientes. Ainda temos muitas pessoas que sofrem de transtornos mentais com alto grau de sofrimento psíquico, o que gera também grande impacto social e econômico quando pensamos em termos globais. Sem dúvida, houve progressos importantes na área farmacológica, mas ainda não temos tratamentos 100% eficazes. Ainda há muito a ser feito. Nós devemos estimular cada vez mais a compreensão e a conscientização das pessoas sobre o que são essas doenças e o que elas representam em termos de sofrimento individual e psíquico. Precisamos quebrar o estigma” diz Leonardo Cruz de Souza.

“Em 1950 foi descoberto o primeiro anti-psicótico, que era essencialmente supressivo e não curativo. Desde então, continuamos no mesmo patamar, pois os medicamentos apenas controlam as doenças e eliminam os sintomas temporariamente, mas não curam. Eu acho que esse movimento do Dia Mundial da Saúde Mental é muito válido e serve para mostrar que é necessário combater aquilo que, para mim, é o mal do século 21: o excesso de medicamentos e de diagnósticos precipitados, pois algumas doenças, como a depressão, estão banalizadas. Hoje, idosos e crianças tomam os mesmos remédios, na mesma dosagem. A minha crítica é porque hipervalorizam o uso dos fármacos quando, na verdade, existem formas mais sadias de lidar com a doença. É isso que deve ser combatido”, finaliza Palomba.

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