O Prêmio José
Saramago 2017, no valor pecuniário de 25 mil euros, distinguiu o romance
“A Resistência”, do autor brasileiro Julián Fuks, anunciou a Fundação
José Saramago, em Lisboa.
Mundo Lusíada - Com Lusa
Julián Fuks defendeu que “a
literatura se faça de diálogo, que possa ser uma resistência mais
coletiva mais ampla”, num contexto em que também se referiu ao recente
“golpe parlamentar” no Brasil.
Durante a cerimônia, na
qual esteve presente o ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes,
entre outras personalidades, Julián Fuks afirmou-se lisonjeado por
passar a fazer parte de uma lista de autores, anteriormente
distinguidos, que admira e lê, entre os quais Gonçalo M. Tavares, Valter
Hugo Mãe e João Tordo, que também esteve presente.
“No Brasil, a gente
viveu recentemente o golpe parlamentar, a gente vive uma sequência de
despautérios políticos, a gente vive retrocessos evidentes por toda a
parte, e uma das coisas claras para quem está acompanhando de perto
aquela situação é o pensamento de que isso não acontece só ali, não
responde só àquele contexto, pelo contrário, se relaciona amplamente,
com uma situação vivida mundialmente”, afirmou no seu discurso.
“Retrocessos que se
iniciam, se insinuam em certos lugares e se cumprem em outros, e que
parecem eu nos exigem cada vez mais a aproximação, cada vez mais o
diálogo, cada vez mais multilateralismos, inclusive na literatura, que a
literatura se faça desse diálogo, que possa ser uma resistência muito
mais coletiva, muito mais ampla”, acrescentou.
O escritor, que com esta obra foi distinguido no ano passado com o Prêmio Jabuti como Melhor Romance no Brasil, afirmou que “em
certo sentido é um livro sobre um acolhimento, depois que se transpõem
fronteiras”. “E sinto que, recentemente, aqui em Portugal, houve um
acolhimento impressionante ao meu livro, que me fez acreditar na
possibilidade de um diálogo, para a abertura de um entendimento entre
nós, na abertura para uma troca maior de experiências, de noções e
ideias”.
“Portugal tem sido incrivelmente hospitaleiro e receptivo, e só tenho agora que agradecer ao país como um todo, por isso”, afirmou.
Em declarações à agência Lusa, Julian Fuks, afirmou-se contente pelo prêmio e pelo facto de esta obra estar a fazer “um bom caminho”. Com a premiação, o livro pode circular mais e chegar “a mais gentes e as vozes podem-se inter-relacionar”.
A literatura, reconheceu o autor, também pode exorcizar fantasmas do passado, e explicou: “Não
são necessariamente fantasmas pessoais, são também fantasmas que se
ampliam para fantasmas dos outros, neste caso, fantasmas do meu irmão ou
dos meus pais, mas que não representam só algo tão individual, que
pode, justamente, se expandir para que se torne a literatura como um
todo, um sistema de exorcização de fantasmas coletivos, de fantasmas
sociais”.
Em “A Resistência”,
segundo a Fundação Círculo de Leitores, o autor desenvolve a história de
uma família argentina a partir de 1976, quando se deu o golpe de Estado
que derrubou a Presidente María Estela Perón, e instaurou o poder
ditatorial de uma junta militar, que governou o país até dezembro de
1983.
O autor está, atualmente, a escrever um outro romance, que se intitula “A Ocupação”,
“e que tem alguma relação com ‘A Resistência’, [porque] a noção
política recente tem sido a mais forte, a de ocupar e resistir”.
O ministro Luís Filipe Castro Mendes, que afirmou ter lido o romance, disse que “é
um livro admirável, porque é uma escrita extremamente exigente, de uma
grande tensão e de um grande rigor, com uma elaboração narrativa muito
interessante”, sobre um tema que José Saramago “muita gostaria de ver” abordado.
O ministro da Cultura, autor de vários romances e livros de poemas, afirmou que “a
escrita é sempre uma resistência, primeiro à banalidade das palavras, à
vulgarização, à tagarelice quotidiana, ao uso mercantil das palavras,
às vezes pornográfico da palavra”.
Julián Fuks, filho de
pais argentinos, nasceu em São Paulo, no Brasil, em 1981. Ele
encontra-se em Portugal para participar do festival literário Folio: no
sábado, quando conversa com a escritora Ana Margarida de Carvalho numa
mesa moderada por Ana Sousa Dias. Antes disso, na sexta-feira, o
vencedor do Prêmio José Saramago estará numa conversa com José Mário
Silva na Livraria Adega, em Óbidos.
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