Um capitão que me colocava à prova

DO TEXTO:

No tempo em que permaneci em Angola (1965-67) cheguei a árbitro de futebol, filiado na Comissão Distrital do Bié e, depois, na Comissão Provincial. Antes disso, fui dirigindo alguns jogos militares (no espaço de dois anos atingi a marca dos 197) entre companhias e batalhões. No meu Batalhão de Caçadores 471, que passou parte no Norte de Angola e posteriormente veio para o Sul, concretamente para a zona de Nova Lisboa, tinha um capitão que foi árbitro de futebol e membro do Conselho de Arbitragem de Portalegre. Chamava-se João da Paz Laranjo Mourato e como eu estava adstrito ao setor do próprio, todos os dias, numa folga, o capitão Mourato fazia de professor e colocava-me algumas questões sobre as 17 leis que regem um jogo de futebol. Confesso que não gostava nada, mas, como se tratava de um capitão que muito respeitava os subalternos, sempre me apresentava com um sorriso nos lábios. Porém, manda a verdade dizer que o dito cujo era fértil a passar rasteiras e em muitas delas eu fui caindo nem patinho. Num dos jogos militares que dirigi na Bela Vista, o capitão Laranjo Mourato foi assistir, mas isso em nada me incomodou, se bem que, ao sair do campo, cruzei-me com o meu colega Mendes (de Santa Maria da Feira) que foi adiantando: “eu estive ao lado do Mourato e ele manteve-se silencioso”, daí eu ter respondido: amanhã vamos ter sermão e missa cantada. Puro engano. Quando entrou no nosso gabinete de trabalho, Laranjo Mourato cumprimentou-me e saiu-se com esta: “na verdade, o meu amigo é melhor na prática do que na teoria”. Volvido algum tempo, veio novamente à tona a arbitragem. Lei pra lá, lei pra cá, rasteiras e mais rasteiras, até que se tocou no nome do meu colega Luciano Calado, de Benguela, e que foi jogador do Vitória de Guimarães. Fui ouvindo, ouvindo, até que, a dado momento, me virei para o capitão “expert na arbitragem” (segundo ele, claro) e comentei: saiba meu capitão que o Luciano Calado está, em relação à minha pessoa, no mesmo patamar, isto é, melhor na prática do que na teoria. E aqui tenho que passar a imodéstia e referir que o Laranjo Mourato ficou calado, virou as costas corretamente e disse-me: agora não há mais lições teóricas, só vou analisar o teu trabalho no campo da prática. Os colegas que estavam comigo também ficaram altamente surpreendidos com esta declaração.

Pois é... O mundo é pequeno. Em 1982, quando fui para o Mundial de Futebol disputado em Espanha, passei três dias em Portalegre para assistir a um torneio de futebol jovem na companhia dos professores Rui Silva e João Barnabé, com quem segui para Espanha. No último dia, fui ao centro de Portalegre com o Rui Silva e quem fui encontrar pelo caminho, nem mais do que o Laranjo Mourato, já Tenente-Coronel na reserva. Claro que o procurei e fui adiantando: o senhor já não se lembra de mim, mas sou o açoriano, árbitro de futebol em Angola, que era melhor na prática do que na teoria, segundo você dizia. O homem  fez uma enorme festa e convidou-nos para tomar um café. Recordamos o tempo de Angola e na cavaqueira não podia faltar assunto ligado ao futebol, mas aqui passei a bola para o professor Rui Silva e limitei-me a ser observador, ficando, no entanto, com a ideia de que o Tenente-Coronel na reserva, João da Paz Laranjo Mourato, que me pregava rasteiras com a patente de capitão em Angola, estava desatualizado. Mas, de tudo isto, com as rasteiras na ordem do assunto, tenho que confessar que o então capitão Mourato era um homem bom e acessível quando era procurado pelos seus subalternos.

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