Quando a literatura, as artes e até as hashtags 'abraçam' as árvores

DO TEXTO:

A expressão 'tree hugging' vem de um ocorrido em Jodhpur (Índia) em 1730, quando um grupo de mulheres fizeram um protesto para salvar a floresta onde viviam e foram mortas. (Crédito: Cultura RM/Alamy)

"Árvores são santuários", escreveu o poeta e filósofo alemão Hermann Hesse. "Quando aprendemos a ouvir as árvores... Isso é o lar. Isso é a felicidade."

Lindsay Baker
Da BBC Culture
Em seu livro Árvores: Reflexões e Poemas, Hesse filosofa sobre as árvores e as coloca como chave para noções essenciais de verdade, beleza, lar, pertencimento e felicidade.

A expressão tree hugger ("abraçador de árvores" em tradução literal, no sentido de ativista ambiental) pode ter um tom pejorativo, mas parece que Hesse tinha certa razão.

Agora, as árvores estão ganhando popularidade - nas redes sociais, as hashtags #treesofinstagram (#árvoresdoinstagram) e #lovetrees (#amoràsárvores) estão se proliferando rapidamente. E a prática do Shinrin-yoku, a expressão japonesa para "aproveitar a atmosfera da floresta" ou "banho de mato", está de volta à moda como um tipo de cuidado preventivo de saúde e de medicina japonesa.


A ilustradora Clare Curtis está entre os artistas contemporâneos
 inspirados por árvores e florestas. 
 (Crédito: Clare Curtis)

Nos últimos anos, houve um aumento significativo na publicação de literatura sobre árvores, com novos livros sobre o assunto surgindo regularmente - entre eles The Hidden Life of Trees (A Vida Secreta das Árvores) de Peter Wohlleben, Strange Labyrinth (Estranho Labirinto) de Will Ashon, The Long, Long Life of Trees (A Longa, Longa Vida das Árvores) de Fiona Stafford e o conto alegórico The Man Who Planted Trees (O Homem que Plantava Árvores) de Jean Giono, só para citar alguns.

Então, por que essa recente obsessão com árvores? Por que os escritores e artistas são tão atraídos às árvores como um tema? O que as árvores podem nos ensinar? As árvores realmente podem nos deixar mais felizes e tranquilos?
Não é que as árvores sejam um assunto novo na literatura, é claro. Hesse é apenas um dos muitos escritores, poetas, artistas e filósofos que se inspiraram em árvores e florestas ao longo dos séculos.

Outro exemplo é o poeta inglês do século 19 John Clare, que escrevia em dialeto rural e cujo poema The Fallen Elm (O Olmo Caído) explora as liberdades ganhas e perdidas com a industrialização, quando vastas porções de florestas antigas foram derrubadas. Já o poema de William Wordsworth It Was an April Morning (Era Uma Manhã de Abril) fala sobre a beleza e a promessa de uma árvore na primavera.


O artista alemão Anselm Kiefer frequentemente pintava florestas proibidas 
em seus quadros, como esse detalhe de Resurrexit 1973 
 (Crédito: Peter Horee/Alamy)

Entre os livros com temática de árvore que surgiram recentemente está uma antologia, Arboreal: A Collection of New Woodland Writing (Arbórea: Uma Coleção de Novos Textos Sobre Bosques e Florestas), que explora literatura, história, mitologia e cultura rural das árvores e florestas.

No livro, há ensaios de arquitetos, artistas e acadêmicos, assim como escritores com afinidades com árvores e florestas. Entre os contribuidores estão o poeta Zaffar Kunnial e os escritores Tobias Jones, Helen Dunmore, Ali Smith, Germaine Greer e Richard Mabey.

Floresta para as árvores

A escritora "arbórea" Fiona Stafford, também autora do livro The Long, Long Life of Trees(A Longa, Longa Vida das Árvores), diz que a atual obsessão por árvores na literatura faz parte de uma tendência florescente de busca por uma nova forma de escrever sobre a natureza, o que, ao menos em parte, está relacionada com a preocupação com o meio ambiente.

"Mas a nova literatura sobre árvores é também parte de tradições literárias muito antigas", diz ela. "O paradoxo é que sempre parece se voltar para um mundo rural perdido, mas ao mesmo tempo está sempre renascendo de novo em novas formas com relevância contemporânea urgente."


'Hockney faz as árvores brilharem com energia e cores inesperadas', diz a escritora 
Fiona Stafford, sobre Felled Trees (Árvores Caídas), de 2008 
(Crédito: Alamy)

Desde criança, Stafford ama as árvores. "As árvores parecem criar um mundo diferente dentro de nós, não apenas em termos de vida selvagem, mas em esferas imaginárias onde as coisas parecem possíveis e que não seriam assim no mundo diário do trabalho."

Ela descobriu algo muito "tranquilizante", diz ela, a respeito de "um objeto muito familiar que é tão cheio de vida e silenciosamente alimenta todas as coisas que vivem em seu entorno". Stafford menciona clássicos da literatura infantil, de Robin Hood a The Wind in the Willows (O Vento nos Salgueiros). "E o premiado último livro de Frances Hardinge, The Lie Tree (A Árvore da Mentira) pode muito bem ser um clássico do futuro."

Stafford também se interessa pela forma como artistas se inspiram e interpretam o tema. Seu preferido? "David Hockney", diz ela. "Que pinta árvores e florestas com tanta paixão e intensidade que o que parecia ser um cenário comum é profundamente transformado. Ele é capaz de discernir a personalidade de árvores e as faz ferver com energia, brilho e cores inesperadas."
 
Obras de John Crome e Gustave Courbet exploraram o tema do carvalho, que tem status mitológico e é um emblema de força e dignidade.


A floresta nativa de David Hockney em Yorkshire (Reino Unido) inspirou sua série de pinturas e desenhos para iPad, incluindo 'Três Árvores perto de Thixendale' de 2008 
(Crédito: Alamy)

Stafford também explora o lado mais sombrio das florestas, que, segundo ela, está "enraizado nas lendas europeias". Dos Irmãos Grimm até os contos russos de Baba Yaga.

"(O) Medo de quais perigos podem estar escondidos em florestas negras está enraizado em histórias como Chapeuzinho Vermelho ou João e Maria. Mas há sofisticadas versões adultas para árvores sombrias, que Dante entendeu na 'floresta escura' de A Divina Comédia. Sylvia Plath e Robert Graves também usaram esse imaginário da floresta escura."

E é claro que muitos talentos das artes visuais - entre eles Anselm Kiefer - são atraídos por esse lado obscuro e intenso das árvores e florestas como um tema.

Apesar dessas referências, no fim das contas as árvores aparecem como uma força do bem em boa parte dos textos recentes sobre o assunto.

Se Stafford pensa que as árvores podem nos deixar mais felizes? "As árvores são um apelo para todos os sentidos", diz ela.

"Cheiros frescos, o som de folhas se movendo e pássaros cantando, a textura da casca - tudas essas coisas são atraentes, especialmente em cidades modernas... Elas nos conectam a outras pessoas, sejam elas contemporâneas ou do passado ou do futuro. Se você planta uma semente que pode levar 200 anos para chegar ao seu tamanho ideal, você está botando fé no futuro e oferecendo um presente para as gerações que ainda nem nasceram. É um sentimento muito bom."


'As árvores são poemas que a Terra escreve no céu', 
escreveu o poeta americano-libanês Kahlil Gibran.  
(Crédito: Peter Adams Photography Ltd/Alamy)

O Fundo de Florestas no Reino Unido promove a "hora da árvore" como uma maneira de nos sentirmos melhores em termos de corpo, mente e espírito e afirma que a nossa imersão na natureza acalma nossa alma e nos ajuda a lidar com o estresse. O fundo colabora com uma publicação de chamada Leaf! , com arte, poesia e textos sobre árvores.

O fundo também está trabalhando em uma versão moderna da Carta da Floresta, que foi escrita em 1217 na Inglaterra logo depois da Carta Magna. A Carta da Floresta falava sobre os direitos e deveres dos cidadãos britânicos em relação às florestas do país, incluindo assuntos como a criação de porcos e fogueiras. A Carta para Árvores, Florestas e Pessoas é a versão do século 21 desse documento e deve ser publicada em novembro deste ano.

Hora da árvore

"A 'hora da árvore' pode ser fundamental para quem sofre de estresse", diz Tobias Jones, um dos autores que está entre os contribuidores da coletânea Arbóreo que falou em um painel do Festival (Literário) Hay sobre o assunto. "A síndrome de deficit da natureza é real e eu tenho certeza de que a floresta é o ambiente com maior potencial de cura que há", diz ele.

Jones criou uma comunidade no Reino Unido, chamada Windsor Hill Wood, "um refúgio para pessoas em crise". Também é o assunto de seu livro mais recente, A Place of Refuge (Um Lugar de Refúgio em português).

Quando Jones estava pesquisando para escrever seu livro Utopian Dreams (Sonhos Utópicos), viu como sua saúde mental melhorou ao viver na floresta. Segundo o escritor, árvores são uma cura para angústia e ansiedade.

Isso acontece em parte por causa do conceito de "banho de mato", mas também porque "florestas podem ser lugares assustadores, misteriosos e assombrados e nelas você pode enfrentar seus medos". E também, diz ele, o trabalho longo e árduo de ser autossuficiente em uma floresta - cortar madeira para aquecer a acomodação, fazer móveis e outras coisas essenciais a partir da madeira das florestas, é terapêutico e traz paz.

Ele cita o coppicing, um método de podar árvores na altura das canelas para que elas cresçam de novo, como análogo a esse processo de regeneração. "A ideia de derrubar as árvores de forma que elas se regenerem é bom para a saúde mental e o senso de continuidade das pessoas para que elas reconstruam suas vidas."


As árvores sempre foram emblemáticas, como nessa gravura antiga 
de espíritos protetores e a árvore sagrada da vida
 Crédito: Heritage Image Partnership Ltd/Alamy

Em Arbóreo, o poeta Zaffar Kunial descreve como uma árvore laburnum no jardim da casa de sua infância em Birmingham (Reino Unido) se tornou significativa para ele, dando-lhe um sentimento de ter raízes. "Ela ficou conhecida como 'minha árvore' na família", diz. "E veio representar tempo, continuidade e raízes, especialmente para mim, que tenho pais de dois continentes diferentes."

O poema Fielder, de Kunial, descreve como, ao procurar por uma bola perdida de críquete, ele se viu inesperadamente ao mato rasteiro uma floresta, "a unha sombria de uma floresta", e tem um momento de clareza, como "um relógio parado".

Ele gosta, diz ele, da "qualidade de prisma da luz na floresta e em como essa luz parece vir em lâminas, com as árvores cortadas pela luz. Quando você vê jacintos em uma floresta eles parecem turvos, quase um reflexo do céu. Eles me tiram do eixo, bagunçam meu senso de tempo". O poeta americano-libanês Kahlil Gibran também se inspirou com o tema: "as árvores são poemas que a Terra escreve no céu", diz ele.

A expressão "tree hugger" ("abraçador de árvore", em tradução literal) é considerada um insulto, um sinônimo de hippie sonhador, fora da realidade. Só que a expressão deriva de um cenário que foi real demais. A ideia de abraçar árvores surgiu em 1730 na Índia, quando os marajás decidiram construir um palácio novo em um vilarejo próximo à cidade de Jodhpur que também era o lar do povo bishnoi, uma seita de adoradores da natureza.

Os marajás ordenaram a destruição de algumas árvores antigas na vila para dar espaço para o novo palácio, e Amita Devri e outras mulheres da população Bishnoi protestaram corajosamente ao cercar as árvores enrolando suas pernas e seus braços em volta dos troncos para protegê-los em um protesto pacífico.

Tragicamente, elas fizeram um sacrifício derradeiro: foram espancadas pelos encarregados de derrubar as árvores, e dizem que 353 manifestantes foram degoladas e mortas antes que os marajás finalmente parassem com a matança.

Há muitas coisas além do termo "tree hugger", e o mesmo pode ser dito sobre as árvores. Ou, como Herman Hesse escreveu:

"Em seus galhos mais altos o mundo sussurra. Suas raízes descansam no infinito. Mas elas não se perdem lá; elas lutam com toda a força que podem para um único propósito: realizar-se de acordo com suas próprias leis, para construir a sua própria forma, para representar a si mesmo. Nada é mais sagrado, nada é mais exemplar do que uma árvore, bela e forte."

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