Morre Hugo Ribeiro, o homem que nos ensinou como ouvir Amália Rodrigues

DO TEXTO:
Fotocomposição Alba Bittencourt

Um técnico de som que se dedicava com gosto e "ouvido apurado"

Hugo Ribeiro, que hoje morreu em Lisboa, aos 91 anos, "sem verdadeira formação, encontrou as soluções na sua própria musicalidade, num ouvido apurado e no gosto com que se dedicava ao trabalho", disse à Lusa David Ferreira, da Valentim de Carvalho.

 
Hugo Ribeiro, entre muitos nomes, gravou a voz de Amália Rodrigues, por quem nutria admiração, sobre a relação profissional que estabeleceram, escreve David Ferreira: "Sabia quando Amália ia cantar mais forte e adaptava o volume da gravação às suas inflexões, sem necessitar de compressores que nos privariam do som verdadeiro daquela voz".

"Recorria a truques: colocava-lhe dois microfones e dizia-lhe que só estava ligado um, mais perto dela, captando-a de facto com o outro. Repetidamente, passava da sala onde ficavam cantores e instrumentistas para a sala de controlo, até ter a certeza de que ouvia nas duas o mesmo som".


A relação de sempre de Hugo Ribeiro com a discográfica Valentim de Carvalho começou em meados de 1940 quando "conheceu o comerciante e editor Valentim de Carvalho, que o ouviu interpretando canções napolitanas e chegou a pensar convidá-lo para gravar. Em vez disso, acabou por contratar o rapaz bem disposto e conversador para a sua empresa".

"É aí que Hugo encontra o sobrinho do patrão, Rui Valentim de Carvalho, seis anos mais novo do que Hugo. Rui adora máquinas e sabe consertar rádios. Hugo gosta de música e aprende depressa. No início dos anos 1950, ou mesmo antes, os dois estão a gravar discos num dos andares dos Estabelecimentos Valentim de Carvalho, na Rua Nova do Almada, em Lisboa", conta David Ferreira.

Durante mais de dez anos, Hugo Ribeiro gravou em locais que não eram estúdios construídos de raiz, uma sala na Valentim de Carvalho, depois o Clube Estefânia e finalmente o Teatro Taborda, na Costa do Castelo, em Lisboa, enumera David Ferreira.

Na Costa do Castelo, "habituou-se a gravar só depois de não haver elétricos a passar na rua - e mesmo assim não se livrou de algum grito de pavão vindo das bandas do Castelo, e no Clube Estefânia, onde só era possível gravar quando não se jogava bilhar, viu-se obrigado a mandar reforçar um estrado, não fosse ele abater na gravação duma (pesada) banda da Polícia".

Além do trabalho em estúdio, Ribeiro "correu o país para registar o folclore esquecido e ajudou Amália a escolher trechos de música tradicional para ela mesma cantar. Gravou nos teatros do Parque Mayer e nas casas de fados. Naturalmente curioso, encontrou tempo livre para gravar os últimos pregões" dos vendedores ambulantes de Lisboa.

"Numa época em que não se usava a expressão engenheiro de som nem havia uma separação rigorosa de funções, atuou mais de uma vez como diretor artístico da Valentim de Carvalho: por volta de 1960, foi ele quem contratou o Duo Ouro Negro acabado de chegar de Angola, e se lembrou de confiar os arranjos e a direção musical do disco a um músico brasileiro que viera trabalhar para o Parque Mayer, Sivuca, de grande talento e nenhuma notoriedade na altura. E, ainda uns dez anos mais tarde, seria a teimosia de Ribeiro a levar a editora a contratar o desconhecido Paco Bandeira", recordou David Ferreira.

O técnico de som realizou na segunda metade dos anos 1960 e no princípio da década seguinte "alguns dos seus trabalhos mais difíceis de esquecer: 'Guitarra Portuguesa' e 'Movimento Perpétuo', de Carlos Paredes ou 'Com Que Voz', de Amália Rodrigues [que] são exemplos que ocorrem logo ao recordar esse período dourado da sua carreira e da empresa a que o seu nome ficou para sempre ligado".

Segundo David ferreira, "ninguém como Hugo Ribeiro esteve presente em tantos momentos inesquecíveis da gravação fonográfica em Portugal".

Às gravações de música ligeira e popular, acrescenta-se-lhe "as gravações de música erudita e em particular as muitas vezes em que Hugo Ribeiro registou as obras de Fernando Lopes-Graça", ou ainda as de quadros do teatro e da comédia, por artistas como Raul Solnado, José Viana e Ivone Silva, entre outros.

David Ferreira recordou ainda as gravações de poesia declamada por atores como João Villaret ou pelos próprios poetas - "e foram muitos os grandes poetas que tiveram a voz gravada por Hugo Ribeiro".

"Ao respeito pelo enorme profissional e à saudade pelo amigo seguro, junta-se um sorriso, teimoso, na recordação dum homem com imenso sentido de humor e que gostava muito de viver. E que gostava tanto de música e dela sabia tão bem gostar que continua vivo em muitos dos melhores momentos da história da Música Portuguesa", rematou o editor discográfico, que foi seu amigo, e companheiro de trabalho.

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Hugo Ribeiro - Técnico de Som de Amália Rodrigues


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