Pedro Mestre ao Cotonete: «Os jovens estão a gostar do que é nosso»

DO TEXTO:


É já amanhã que Pedro Mestre actua no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, num concerto com muita gente em palco para apresentar a sua estreia discográfica, "Campaniça do Despique". Neste espectáculo, apresenta temas inéditos da sua autoria e de José David, bem como temas do cancioneiro tradicional alentejano com uma sonoridade mais citadina.

 Pedro Mestre é, sem dúvida, um mestre da viola campaniça que aprendeu a tocar aos 11 anos com quem mais sabia sobre a arte. Os seus "professores", também eles alentejanos de gema, tinham ambos mais de 60 anos mas o interesse pelo desvendar de uma cultura que tanto o fascinava, não demoveu o pequeno Pedro, hoje um homem que se orgulha do seu percurso que partilhou com o Cotonete.

 Pedro, está a chegar-nos "Campaniça do Despique", o teu primeiro álbum, mas, na verdade, já te dedicas à música há 20 anos. Porque é que decidiste lançar agora um disco?
 Tudo tem um princípio e na música tradicional nem sempre temos àvontade ou confiança para poder fazer um trabalho e lançá-lo desta maneira. Até porque falamos de uma época em que não se gostava muito da música tradicional e do cante alentejano, hoje a relidade é diferente. Inicialmente o meu objectivo era aprender muito sobre a música de que eu gostava, mais do que pensar em fazer em álbuns. Os discos que gravava era com algumas formações de cantadores, muito bons, mas a ideia era apenas registar para a posteridade, as associações e autarquias faziam-no como um investimento local na salvaguarda do cante e da viola campaniça. Às tantas os mestres entregam-me a responsabilidade de "saber disto". Os meus dois mestres, Manuel Bento e Francisco António, eram os últimos dois tocadores desta viola e eu não percebia a responsabilidade! Com 11 anos não pensava que eles iam falecer e que eu ia ficar com o cante para preservar e transmitir. Este é um trabalho preocupado com o futuro porque eu pergunto: e agora quem é que ouve esta música? Será que o grande público vai ter sensibilidade para este tipo de música pouco comercial? A forma como vai aparecer no CCB é um cante alentejano puro, como manda a tradição, mas com arranjos e instrumentos para novos públicos.

 O segredo pode passar por aí, pela instrumentação ao cante... Isso foi o que aprendi nestes últimos anos. Se o cante for acompanhado, mesmo que seja só pela viola campaniça, aquele som muito de raiz, tem logo outra harmonia, outra forma de estar, as pessoas ficam sensibilizadas. No "Campaniça do Despique" temos cante tradicional e ao despique mas temos outras composições novas e outra forma de ver esta música, novas influências...

 E os teus alunos, os mais pequenitos, também é assim que se sentem atraídos para o cante?
Tem vindo a aumentar o movimento associativo ligado ao cante e às tradições e têm surgido outras iniciativas. Então, já não estamos a falar de um cante para alguém que nunca ouviu falar dele, as crianças já trazem algum conhecimento de um folclore que é nosso. Sensibiliza-se as crianças com uma viola. O manusear do instrumento suscita muita curiosidade às crianças, tal como a junção dos sons, a harmonia que se cria entre as vozes de rapazes e meninas com vozes mais graves, como a do professor, por exemplo. Pode ser assim embora haja alunos mais difíceis e é preciso confrontá-los de outra forma. Há uns anos, tive que pôr um brinco só para quebrar algumas mentalidades e opiniões.

 Foi para eles verem um professor fixe? (risos)
 Claro porque eu tive que enfrentar situçaões como dizerem-me que "o meu pai canta mas só quando vem da taberna com os copos" por isso não quero saber desse tal cante. Então, tive que dar a volta a isto aos poucos. Depois acharam o professor muit'a fixe! (risos) Temos que entender o porquê deste tipo de coisas, do associar-se o cante ao vinho. Agora essa mentalidade está a mudar até porque as tabernas estão a deixar de existir mesmo nas aldeias. 

 O facto de o cante ter passado a Património Imaterial da Humanidade também ajudou?
 Veio quebrar barreiras, veio ultrapassar isso tudo, veio trazer respeito pelo cante. Hoje o cante está a ser levado para as grandes festas, está a ser colocado no palco, embora com alguma dúvida, sem se saber como vai ser a reacção do público mas eu vou continuar a insistir porque já o fazia, não foi preciso ser Património Imaterial da Humanidade. Eu já tinha ideias e idealizava formas de ultrapassar isso, queria mostrar às pessoas que temos capacidade. Eu gosto de o usar mas não preciso de ter um chapéu na cabeça para cantar o Alentejo; preciso de gostar dele. Assumo-me agora como compositor. No início tinha, de certo modo, vergonha de dizer que algumas canções que se cantam na região eram minhas.

 E quando começaste, havia quem vendesse violas campaniças ou começaste com uma emprestada? Era uma viola emprestada, não havia construtores. Foi mais tarde que eu, o mestre Amílcar e outras pessoas, começámos a trocar ideias, opiniões e estudos de como fazer uma viola campaniça. Tivemos que pegar em violas velhas, destruídas e nós juntámos peças para perceber como funcionavam. Construir um instrumento não é só colar madeiras e eu pesquisei, li livros e estudei sobre outros construtores e outras peças para perceber como vai funcionar uma caixa de ressonância. Depois é que comecei a construir violas.

 Estás feliz por chegar aqui, percebo...
 Sempre disse que ia chegar o dia em que os jovens iam gostar daquilo que é nosso. Com 13 anos eu andava ao lado daqueles que eram vistos como "velhos", a cantar com eles e a dar-lhes força para continuarem a cantar. Hoje temos uma dezena de grupos feitos por jovens dos 15 aos 22 anos. Isso é... um alívio, uma lufada de ar fresco e o colher de frutos de uma plantação que eu e outras pessoas fizemos há muitos anos. Mas também é necessário que os outros reconheçam senão temos tendência a isolar-nos. Foi o que aconteceu com os meus dois mestres. Felizmente tudo isso tem vindo a mudar.

 Por -Daniela Azevedo

in-http://cotonete.iol.pt



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