Carmen Miranda é uma emigrante como as outras: voltou à terra em Agosto

DO TEXTO:


Carmen Miranda viajou muito, mas não o suficiente para voltar ao lugar onde nasceu a 9 de Fevereiro de 1909 e de que saiu com apenas dez meses para se abrasileirar, primeiro, e americanizar, depois.

 Mas o que faria ela em Várzea de Ovelha, lugar onde então não havia – continua a não haver – avenidas, Copacabana, arranha-céus e estúdios de cinema com estrelas (ela diria stars, embora tenha sido sempre mais fiel a “eu te amo” do que a “I love you”) do tamanho e do sarcasmo de Groucho Marx? Mais grave: onde arranjaria ela bananas e ananases para os seus chapéus tutti-frutti e, sobretudo a sua palavra inglesa favorita, “money, money, money”, bem de primeira necessidade cuja escassez continua a alimentar sucessivas vagas de emigração em todo o concelho de Marco de Canaveses (embora já não para o Brasil, como foi tradição passada de pais para filhos e de avós para netos)? 

 Não se pode não pensar nisso quando se vai a caminho de Várzea de Ovelha – ou, para sermos mais precisos, da Igreja de São Martinho da Aliviada, onde Carmen Miranda (aliás Maria do Carmo Miranda da Cunha) foi devidamente baptizada antes de sair para o Brasil num barco a vapor e onde quarta-feira, na noite em que passaram 60 anos sobre a morte da “Brazilian bombshell”, possivelmente a estrela mais Technicolor de toda a geração Technicolor, uma big band de Lisboa veio matar saudades da menina que nunca voltou à terra mas ali deixou nome de ruas, travessas, museus e cafés. E sobretudo muitos primos.

 A4 acima, direcção Marco de Canaveses (a de Avelino Ferreira Torres, mas também a de Caetano Veloso e David Byrne: "Marco de Canaveses é o nome da terra onde iaroxum nasceu/ And the taste of eath flower is sweet/ So why do they say she's a bad girl?"). Depois, estradas aos ziguezagues que sempre acabam por ir dar a um rio, igrejas românicas que só abrem ao domingo: estaremos perdidos, mas já não estaremos longe, porque o café de berma de estrada que aparece quando se torna inviável prosseguir sem indicações tem o nome dela, Carmen Miranda.

 Se não tivesse ido para o Brasil, Carmen Miranda podia ter passado uma parte da sua vida aqui ao balcão. Também se chama Maria do Carmo, a proprietária, mas nunca se abrasileirou: a mãe, que nasceu no Brasil, filha de emigrantes portugueses, é que “veio para cá pequena” e acabou aportuguesada. A história de Carmen Miranda, apesar de ter acabado mal, é bem mais apaixonante: “É um orgulho o sucesso que ela fez além-fronteiras. Se tanta gente se orgulha dela e não é cá da terra, imagine o que isto é para nós.”

 

 Na parede, o cartaz do baile popular que o Real Combo Lisbonense, a Câmara Municipal do Marco de Canaveses e a NOS prepararam para “os 60 anos do desaparecimento da Pequena Notável” ocupa o mesmo espaço das convocatórias para a Taça da Bifana organizada pelo Grupo Cultural e Desportivo de Gouveia. Ao lado há uma foto muito ampliada de Carmen Miranda a sorrir para a objectiva, “apesar de um pouco triste”. 

 A propósito: primeira à esquerda, sempre em frente até à ponte sobre o rio Ovelha, depois direita, e novamente à esquerda pela Rua Carmen Miranda. Faltam duas horas para o concerto e não tarda duas das muitas primas de Carmen Miranda não vão chegar ao Brasil mas vão chegar à Madeira.

 Um fato e três vestidos

 Mais até do que João Paulo Feliciano (o mestre de cerimónias dos Real Combo Lisbonense, mentor não só da banda como de todo o projecto Saudade de Você – Às Voltas com Carmen Miranda), Maria Virgínia Ferreira é a grande anfitriã do baile. Pediram-lhe emprestados os terrenos para instalar o palco ao fundo da rua, e da pequena casa onde vive ainda cede electricidade, esferográficas, saca-rolhas e a chave da igreja, que à noite estará aberta (e toda iluminada, não só com imagens da grande diva de Várzea de Ovelha como com o logótipo da NOS…) para que os de fora possam ver a pia onde a prima Carmen foi baptizada. 

 “É um orgulho”, como já era “um orgulho” para o pai, Óscar, ele sim primo direito, quase irmão de leite: “Nasceu na mesma casa que a Carmen, no mesmo berço que a Carmen. Os pais dela chegaram a vir cá e mantiveram sempre o contacto por carta. Uma vez mandaram um fato branco para o meu pai – era do que ele mais gostava, se o deixassem andava sempre de branco, à brasileira. E para a Maria da Graça mandaram um vestido que deu para ela fazer outros três.”

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