Condômino e plantel

DO TEXTO:





Por: Carlos Alberto Alves
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Já me vejo adiantado no tempo sonhei que estava a entrar em 2012, ano em que teremos eleições regionais nos Açores e no qual prevejo uma grande mudança, digamos uma lufada de ar novo que a região bem necessita. E do sonho o que eu!”apalpei”: umas horas antes do romper do Ano de 2012, vou


cheirando a comida, que delícia, que apetite. Mas já entendi (a ordem veio da cozinha) que só vou comer entre as 23 e as 24 horas, para depois brindar o Novo Ano com um champanhe dos pobres, que não sendo dos melhores, é, por outro lado, escapatório. Muitos querem e não o tem, infelizmente. Mas, neste espaço de tempo, resolvi, como aperitivo, “comer umas letras” (parecidas com lentilhas, tem graça...). Aliás, é o que faço diariamente. Uma comida que já tem “panela de 47 anos” e, curiosamente, ainda sem ferrugem. Está bem conservada, graças a Deus. E outras coisas mais que aqui não podem ser reveladas.

Fechei a porta do escritório para não entrar o cheiro de uma comida apetitosa. Agora vou ter que “mastigar umas letras” com uma água de coco, quiçá para lavar o vasilhame para a etapa que se segue, esta com mais sabor – arroz de camarão, um bacalhau da ordem, salada de fruta, rabanadas, um bom vinho branco e, depois, quando o relógio atingir as 24H01, o champanhe para comemorar a entrada do Ano 2012 e, também, para festejar a saída do Ano de 2011.

E é assim que começo a mastigar as letras:

Tenho muito respeito pelas palavras, sobretudo quando bem utilizadas, bem pronunciadas, temperadas a gosto, cozidas, salteadas, sejam elas duras, afáveis, tristonhas, humoradas, mas sempre trabalhadas numa sintaxe a preceito, sem refegos nem rodriguinhos inúteis. Acontece, porém, que há certas palavras que me caem no goto, tal como certos alimentos ou bebidas. E estou convencido de que a culpa é minha. Nestes, será fruto da má mastigação, da pressa, do jeito de engolir, de sei lá que mais. Nas ditas palavras, reitero o sentido da culpa, mas não entendo o porquê. São palavras portuguesas, se não o foram já são, de uso corrente como tantas outras, mas causam-me sempre certo engasgo, embora leve, mas persistente. Não me parece coisa para psiquiatria, não me foge o raciocínio nem entro em violências, mas será de aceitação pura e simples, melhor, de conformação, como se tivesse uma verruga no mindinho que não me fica muito bem, mas que não passa disso. 

Uma das palavras é Condômino. Para as bandas onde passo, o que há é vizinhos, mas raramente os ouço. Mas, quando entro num desses grandes prédios de vários andares e, logo na recepção, naqueles placards cheios de avisos de marcação de reuniões, de pagamentos disto e daquilo, me aparece a encabeçar quase todos e em letras garrafais – Senhor Condômino -, sinto-me logo tocado. Não gostaria que me chamassem condômino. É palavra portuguesa, não vem, por exemplo, no dicionário de Fr. Domingos Vieira de 1871, mas já está em todos os moderníssimos dicionários. Não é palavra ofensiva, ao que me conste. Dizer - Ah! Seu Malandro! - não é o mesmo que dizer – Ah! Seu Condômino! Se digo, como habitualmente, - Olá vizinho! – sente-se um apego, uma proximidade. Longe de mim, se vivesse num desses grandes prédios (com mais de 20 andares, o meu tem 12, creio), cumprimentar alguém com um - Olá condômino! Outra palavra é Plantel. Palavra freqüentíssima hoje nos meios futebolísticos: o clube tal comprou mais um jogador para reforçar o plantel. O treinador (o “mister”) fulano já constituiu o plantel para o próximo jogo da Liga… O referido Grande Dicionário de Portuguez ou Thesouro da Língua Portuguesa, de 1871, ainda não assinala a palavra, mas o Houaiss é explícito: “grupo de animais de raça, de boa qualidade, especialmente bovinos e eqüinos, reservados para reprodução”. E em sentido figurado: “grupo de profissionais de ramos diversos (em particular os atletas) especialmente os mais capazes.” Se, antigamente, eu ouvia a palavra em referência aos toiros, agora o futebol apropriou-se de tal forma dela que o sentido figurado, creio que já foi à vida. Quanto aos mais capazes, seria conversa muito longa. Quanto à reserva para a reprodução, em princípio tem que ver com a etimologia. Segundo o Houaiss, provém do espanhol e terá que ver com um viveiro de plantas. Estendendo-a ao futebol, é melhor não entrar em grandes aproximações, não vá dar cabo do plantel. Claro que não tenho nada contra a evolução da língua, sobretudo se natural, em conformidade com a vida e o sentir dum país e das suas gentes, com todas as prováveis influências de um mundo globalizado. Mas também, que culpa tenho eu se certas palavras me caem no goto? Atrevi-me hoje a trazer duas de uma razoável lista e, sobretudo, a confessar-me culpado de tão desaguisado acidente.

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1 Comentários

Comentários

  1. Olá Carlos Alves
    Gostei imenso da sua " sopa de letras"! Ou seria apenas um "desaguisado acidente?:-))
    Por acaso, o condómino e o plantel também não fazem parte das palavras que mais gosto! A evolução da lingua nem sempre vai pelos caminhos que mais me agradam mas é a evolução!Já nem falo , do horroroso acordo ortográfico!

    Abraços
    Miriamdomar

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