As crianças e os velhos livros

DO TEXTO:


Por: Carlos Alberto Alves
jornalistaalves@hotmail.com
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Os livros não servem apenas para decorar as estantes. É bonito vê-los impávidos alinhados. De respiração suspensa, na espera de umas mãos solícitas que os resgatem da imobilidade. Mas não servem apenas para isto. Ou, sobretudo, sequer. Soube-se, na passagem do Dia Mundial do Livro Infantil, que as crianças lêem cada vez menos, no que acompanham, aliás, a tendência do mundo. Não bastam dias mundiais nem congressos ocos de especialistas, não bastam votos de esperança nem discursos bem intencionados. A leitura não se recomenda, ensina-se, não se promove, vive-se. E desde muito cedo. E quanto mais cedo melhor. Tornando o livro um bem essencial como o pão, essencial como a respiração, urgente como o amor. A leitura só pode ser natural quando desde sempre o foi. Quando se cresce com ela. Quando a sua ausência faz falta e o seu vazio incomoda. Parece que os meninos de hoje preferem os botões da consola, dos DVD’s e dos computadores. Que são aparentemente mais úteis, assustadoramente mais fáceis e seguramente mais perigosos. É urgente quebrar o ciclo do hedonismo individualista que nos sufoca, a armadilha silenciosa da prontidão dos botões, o endeusamento do tempo real. No livro repousam quase todas as respostas, muitas soluções. Pelo livro muitos de nós nos fizemos e restaurámos. Na sua aparente melancolia repousam as dúvidas úteis, os desconcertos benéficos, os silêncios reparadores. É por isso essencial que se procure devolver às nossas crianças o que lhes pertence por direito próprio: a certeza serena de que nas suas páginas se desenha lentamente o seu futuro. Este compromisso urgente não é delegável nem adiável. É precioso e deve ser assertivo. Quando não arriscamo-nos a comprometer o futuro, não só o nosso, mas, sobretudo, o deles.

NOTA FINAL – Quando era menino e moço já procurava muito os livros. Naquela altura, tínhamos a facilidade de dispor da Biblioteca Itinerante da Fundação Caloust Gulbenkian, que percorria o país lés-a-lés. Lembro-me de estar numa fila (se escrever bicha, os brasileiros podem confundir com outra coisa. Mas em Portugal diz-se mesmo bicha) mais de duas horas para adquirir quatro ou cinco livros para ler durante o mês. Será que os jovens de hoje teriam disposição para fazer o mesmo? Tenho muitas dúvidas. Hoje, nota-se um enorme e confrangedor comodismo.
Quando regressei ao Brasil ainda tentei ler o livro “o toiro das mulheres” (o célebre toiro 64 que faleceu recentemente), da autoria do meu grande amigo José Liduino, mas acabei por desistir pelo facto da maioria dos passageiros, que estavam à minha volta, dormirem. Óbvio que não tive coragem para ligar a luz colocada por cima da minha “poltrona de vôo”. Se não o ler brevemente, fica para uma próxima viagem.





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