Grande Rei Roberto: O show pelos 50 anos de carreira no Maracanã me deixou babando.

DO TEXTO:
A foto é de Fábio Motta, da AE.


Roberto Carlos é demais. É um fenômeno absolutamente extraordinário. Não há nenhum outro como ele. Ao longo do show de Roberto no Maracanã, fiz mil comentários com Mary, atrapalhando que ela visse e ouvisse Roberto.

Num deles, disse que Roberto-Erasmo (jamais saberemos quem fez o quê) têm aquele dom de melodistas que só gente como Paul McCartney, Cat Stevens, têm, de criar frases melódicas lindíssimas, que parecem simples, fáceis, mas que na verdade são muito próprias, muito especiais, muito autorais, peças de ourivesaria, que são capazes de cair fáceis no gosto coletivo, que as pessoas vão assobiar e cantar sempre.

E Mary comentou que Roberto é o nosso Paul McCartney.

Ao que repliquei que Roberto é o nosso Paul, sim, mas ao mesmo tempo é o nosso Sinatra, o nosso Elvis. Ele é ao mesmo tempo um dos nossos melodistas mais brilhantes, uma voz maravilhosa, um ídolo, tudo junto e ao mesmo tempo. E aí me lembrei de uma velha história dos tempos em que eu escrevi sobre música. Durante quatro anos, escrevi sobre música num grande jornal – o Jornal da Tarde ainda era um grande jornal, entre 1980 e 1984, o tempo em que escrevi sobre música lá.

Lá pelas tantas, escrevi alguma coisa falando sobre os “quatro maiores compositores da nossa geração”; mostrei para os colegas, amigos – naquele tempo, a gente consultava os amigos antes de publicar um texto. Vários colegas aprovaram, disseram que estava legal. Um deles, o Luís Carlos de Assis, porém, fez uma objeção: mas pêra lá – que quatro? Me lembro de ter ficado meio chocado; para mim, era óbvio que os grandes quatro eram Chico, Caetano, Milton e Gil. E o Luís Carlos, ignorando o que para mim era óbvio, perguntou: Mas e o Roberto?

O Roberto?

Eu jamais tinha considerado que Roberto pudesse estar entre os melhores compositores da minha geração.

Sempre tinha gostado do Roberto. Mas gostava dele como quem olha de cima para baixo – o Roberto é legal, é bárbaro. Mas, no fundo, pensava eu, o Roberto era algo menor. Não era do mesmo nível que os grandes. Era o cara que falava com as massas – e, ao gostar dele, e ao reconhecer algum valor nele, eu estava sendo até generoso, bonzinho, e até um tanto avançado. Até um pouco menos reacionário e careta que a maioria dos meus amigos da época, para quem Roberto era sinônimo de porcaria, coisa menor, besteira.

Me sentia até meio superior àqueles meus amigos, ao gostar de Roberto.

Eu era capaz de dar valor ao cara que falava com as massas, embora ele fizesse, evidentemente – sempre segundo o que eu pensava na época –,, uma música absolutamente menor do que a música boa, a do Chico, Caetano, Edu, etc, etc.

Mas, naquela época, 1980-1984, na minha cabeça Roberto Carlos era bom, era ótimo, tudo bem, eu tinha gostado dele sempre, e até reconhecido antes que os outros a sua importância, mas jamais pensaria em botá-lo no nível de Chico ou Caetano.

Claro, eu tinha lido o texto emocionante, brilhante, maravilhoso de Caetano no Pasquim: “o rei esteve na minha casa e eu chorei”. Caetano estava exilado em Londres, 1970, e Roberto o visitou. “O rei esteve na minha casa e eu chorei” foi uma das frases mais lindas que eu já li na vida. Claro, sempre soube que Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos foi feito em homenagem a Caetano, depois daquela visita à casa de exilado dele – e me surpreendi muito ao saber, décadas depois, que o próprio filho do Caetano não sabia disso. Claro, achei lindo Roberto gravar Como Dois e Dois no disco dele de 1971 – gravar Caetano em 1971 era uma puta de uma coragem, bicho.

Me lembro até hoje do texto que o Jovem Gui escreveu sobre o disco de Roberto de 1971, no Jornal da Tarde. Era o disco que abria com Detalhes. Posso estar errado, provavelmente estou, mas aquele texto do Jovem Gui no JT de 1971, acho, foi o primeiro que considerou Roberto Carlos como um cantor e compositor sério, um compositor à altura dos grandes da MPB.
 
Eu estreei como “crítico de música” no mesmo JT uma década depois, e ainda considerava Roberto como menor. Eu, pessoalmente, gostava de Roberto – até porque me achava uma pessoa mais “moderna” do que os Tinhorões da vida. Respeitava Roberto como um artista que falava com o povo – mas impunha uma distância entre ele e os bons, os educados, os sérios.

Grande Luís Carlos. Quando ele me questionou sobre quem, afinal, eram os melhores, eu fiquei pensando: tsk, tsk – que cara maluco, achar que o Roberto pode ser um dos melhores. O Roberto é só aquela coisa menor que tem muito de admirável, tadinho, mas, cacilda, como é possível que não se veja que ele é menor?
Quando Roberto pegou o violão, no Maracanã, e cantou Detalhes, não consegui me segurar, e liguei pra minha filha – você está vendo o Roberto? Minha filha nasceu em 1975, não conseguiu entender Roberto. Me respondeu dizendo olha, pai, até tentei, mas está tão brega que desisti.

Ninguém que nasceu depois de 1971, o ano de Detalhes, tem, de fato, que gostar de Roberto.

A rigor, ninguém tem que gostar de Roberto.

Ninguém tem a obrigação de fazer nada.

Na verdade, o que eu acho que eu queria dizer era só o seguinte: Nós que nos achamos melhores do que os outros, nós que (como dizia minha mãe) lustramos bancos de escola, nós que somos metidos a achar que somos melhores que os outros, nós somos uns babacas, uns imbecis, uns débeis mentais.

Believe we’re gliding, but we’re just slip sliding away.

Eu estava errado.

Roberto é grande, é imenso, é muito maior e melhor do que nossas vãs e pretensiosas certezas.

http://50anosdetextos.com.br/
Texto de Sergio Vaz

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6 Comentários

Comentários

  1. Olà querida Guta! ainda bem que o NMQT festejou os seus 50anos de carreira no Maracana e o Sergio Vaz pensando que ia ver um jogo de fetebol descobriu o maior cantor compositor Brasileiro;esta é que foi mesmo do baril! fora de brincadeira Guta,é verdade que muita gente costou-lhe a entender que atraz de um rapaz chamado Roberto Carlos vindo do Cachoeiro uma terra pouco conhecisa naquele tempo hoje em dia se possa chamar de Rei da musica popular Brasileira.Mas està claro Guta que ao mesmo tempo gostei muito de ler este texto! e ao final até fiquei todo satisfeito.O iscritor do texto nao hà duvida que està de parabens de ter coragem de escrever o que escreveu.Beijinhos

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  2. Esse negócio de não valorizar o que é Nacional deve ser um mal geral mesmo!

    Nós portugas tb, de um modo geral, temos essa mania de só valorizar o que é estrangeiro: inglês ou americano! Ainda bem que eu penso de modo diferente da maior parte das pessoas e dou valor ao que é nacional!

    Dou valor ao que é bom!

    E bom pra mim é o que é agradável de ouvir, é aquela capacidade de dizer de um jeito simples e bacana aquilo que todo mundo pensa mas não é capaz de dizer!

    Hoje, ouvindo as músicas do Roberto, prestando atenção nas letras, é fácil pensar: "mas pq é que eu não disse aquilo daquele jeito?"

    Roberto Carlos e Erasmo têm esse dom! Conseguem dizer cantando o que todos nós pensamos e sentimos!

    Principalmente o Roberto que conjuga numa única pessoa todas essas características do ser humano tão especial que ele é: ele compõe letra e música, ele canta com aquela voz macia e maravilhosa que mais ninguém tem, nem aqueles que tentam imitá-lo ou cantar as canções dele lhe chegam aos calcanhares! ele é um ser humano de uma sensibilidade única, extrema, iluminado por Deus, brilhante... ele é simplesmente ROBERTO CARLOS!

    E, meus amigos, como ele não há nem vai haver mais ninguém!

    Pode até haver quem cante bem, quem tenha uma ou outra música que nos agrade, mas jamais haverá alguém que consiga a proeza dele: 51 anos cantanto e encantando! 51 anos de sucesso absoluto, fazendo músicas para o povo, chegando lá nos nossos corações da maneira que ele chega!

    Gosto de outros cantores brasileiros, portugueses, ingleses, americanos, etc, mas não há mais ninguém de quem eu consiga ouvir vários discos num dia inteiro sem botar defeito, ficando encantada, emocionada como o Roberto me emociona...e olha que eu tenho perto de 2 mil CD's de música, pq a música é tudo na minha vida apesar de não ser cantora, sou fascinada pela música!

    Música é onde eu gasto mais dinheiro, vou a vários espectáculos musicais, em 2010 ví aqui em Lisboa os supertramp, os Barclay James Harvest, o Tony Carreira, Joe satriani, Rui Veloso e gostei dos espectáculos, claro, mas pra mim não há melhor do que Roberto Carlos!

    É o único que eu compro bilhete para ver dois dias seguidos e fico quieta, emocionada olhando pra ele encantada com aquele ser humano vulnerável e grandioso ao mesmo tempo, mas que consegue encher estádios, ginásios, salas grandes de espectáculos com gente de todas as classes sociais e cujas músicas nos tocam no mais profundo do nosso ser!

    Roberto é um caso raro, único na música!

    E além de tudo isto, que já não é pouco, ele é lindo, gente!!!!

    E tenho dito!

    beijos lisboetas
    Ju

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  3. Antes de mais, os meus parabéns à minha maninha Guta por ter colocado aqui este fantástico artigo.

    Os meus parabéns vão também para o comentário da Ju e do Manel.

    Na verdade, para meu desconsolo, não são poucas as vezes que me deparo com brasileiros que classificam de brega o maior cantor de todos os tempos. Já tenho observado isso em blogues e sites brasileiros e quando assim é têm que levar comigo, ou seja, deixo sempre o meu comentário, não defendendo o Rei porque ele não precisa que o defendam, mas chamando-os à realidade, que o mesmo é dizer fazendo-os ver quem realmente é Roberto Carlos que não é por acaso que é considerado o Rei da MPB e que parafraseando o poeta, se mais mundo houvera lá chegara. Sintetizando e como já escrevi num texto, Roberto Carlos é, sem dúvida, um dos maiores embaixadores do Brasil e das suas gentes. E porquê? Quem não souber que pergunte aos milhares de fãs espalhados pelos quatro cantos do mundo!

    Abraços robertocarlisticos

    Ah! Embalado que estava quase me esquecia de felicitar o autor do texto.
    Maravilha!

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  4. Olá meus amigos queridos!

    Tanto quanto o artigo, os comentários foram ótimos. Amei, obrigada.

    Eu enfrentei uma batalha muito grande por gostar de Roberto Carlos.Fui tachada de brega,de mal gosto. E não pensem que foi só no começo, na Jovem Guarda, a coisa é atual, ainda torcem o nariz para mim...
    Já briguei muito, e acho que algumas pessoas eu consegui mudar.
    Nosso Roberto também se impôs e se tornou um vencedor.Tabou a boca de muita gente.

    Obrigada à vocês e ao Sergio Vaz que é o merecedor dos elogios.

    Beijos,
    Carmen Augusta

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  5. É isso mesmo, Carmen!

    Eu, tal como já disse várias vezes, sou motivo de troça por gostar tanto de ouvir Roberto Carlos.

    Defendo-o com unhas e dentes, pq como ele jamais haverá outro!

    Não me importo que trocem de mim, pq eu gosto mesmo dele e qdo a gente gosta de alguém, não tem vergonha desse amor, não é?

    às vezes as pessoas deviam ouvir com mais atenção as músicas dele, para poderem atingir a profundidade das suas mensagens!

    Sei que ele não precisa que eu o defenda, pq ele só pela voz, já se defende sózinho, mas eu não deixo que ninguém, perto de mim, se refira a ele como brega, nem nada do género!

    Ele é um vencedor, é um génio e além de tudo é humilde.... isso não é para qualquer um, não!

    Beijos lisboetas
    Ju

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  6. Ó Ju, mas aqui em Portugal dificilmente alguém irá chegar perto de ti e chamar de brega ou de pimba o NMQT. É natural que muita malta não goste dele pois os gostos são relativos, mas nunca ouvi ninguém a dizer mal dele ou a chamar-lhe pimba ou brega que é a mesma coisa. O que eu acho é que aqui em Portugal, sejam ou não fãs do NMQT, todos têm respeito por ele na medida em que sabem que ele é um gajo do carago, que o mesmo é dizer 5 estrelas.

    Abraços

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