Lisboa, sexta-feira

DO TEXTO:

In Life
03/03/2010 by Maria Alice Stock


A cena é a seguinte: dia de sol à beira do Tejo, junto ao Padrão dos Descobrimentos. Há poucos turistas, pela época do ano e por ser dia de semana. Mesmo assim, um grupo de brasileiros, acompanhado de um espanhol, olham o mapa mostrando os progressos de Portugal nas Grandes Navegações. Um deles diz: “nem é tão longe – um, dois, três, quatro”, percorrendo em segundos, a pé, a distância que Cabral percorreu em 1500. Mais adiante, bem à margem do Tejo, um homem toca Con te Partirò em uma daquelas flautas andinas que sempre se ouve na Praça da República em São Paulo, acompanhado por um playback.

Atravesso a avenida pela passagem subterrânea e nos jardins em frente ao Mosteiro dos Jerônimos há alguns grupos comendo lanches que eles tiram de caixas térmicas, no melhor estilo farofa. Me pergunto de onde seriam, já que Portugal é um país barato para comer comparado ao resto da UE e mesmo a São Paulo. Ouvindo de relance, percebo que são portugueses. As aves marítimas ficam espreitando, provavelmente na esperança de tirar alguma casquinha.

O “comboio”, como eles chamam o trem, passa no canteiro central da avenida. O sol está forte e se não fosse pelo vento eu estaria morrendo de calor. Sou das poucas pessoas usando mangas curtas: os portugueses da farofa estão todos de jaqueta. Para eles, isso aqui é inverno. Para mim também seria, se eu ainda morasse no Brasil. Os brasileiros do Padrão dos Descobrimentos estavam todos agasalhados. Agora eu, depois de meses suportando temperaturas próximas ao zero com quase nenhum sol, estou encantada, para mim isto aqui é primavera.

O café que vende os pasteis de Belém como sempre tem uma multidão na porta, fazendo fila para comprar os pasteizinhos para viagem. Lá dentro, como é enorme, consigo lugar para sentar e comer um sanduíche de atum antes do pastel. São duas da tarde, tenho três horas antes de o sol se pôr. A rigor, ele se põe somente às 18h, mas na prática meia hora antes disso já está um tanto escuro e frio. De repente, três grupos de turistas, estrangeiros e portugueses, tomam conta do salão, falando alto, arrastando cadeiras e encomendando dúzias de cafezinhos e pasteis. Em questão de minutos eles chegam e partem, tão logo esvaziam seus cafés e terminam os pasteis. Estava eu aqui me perguntando que sentido havia em grupos de turistas portugueses invadirem os Pasteis de Belém quando me lembrei dos portugueses que vivem em Genebra. Como eles, vários portugueses vivem em outros países e, presumivelmente, quando voltam de férias estão mortos de saudades dos pasteizinhos.

Os portugueses usam mais palavras no diminutivo do que nós. Eles falam de um jeito todo cuidadinho. “Está contentinha, vai a Lisboa”, disse o comissário de bordo para uma senhorinha quando embarquei para cá. É tão bonitinho o jeito deles de falar que parece uma língua estrangeira. Estando aqui, como quando estou em qualquer país, quero falar a língua deles, mas estou presa a meu sotaque paulistano. Tentar falar português lusitano seria um pouco ridículo.

Depois de pagar minha conta ao garçom, um senhor sorridente, caminho pela mesma rua até chegar à Calçada d’Ajuda, que começa a subir em direção ao Jardim Botânico. Ando pelo lado da calçada onde bate sol – qualquer sol é bom a esta altura do inverno. O Jardim Botânico tem um portão enferrujado e um muro com pintura descascada – características da falta de cuidado costumeira com jardins botânicos em geral, que não costumam atrair tantos turistas. Não há nenhum tipo de controle na entrada, somente uma placa em português e inglês pedindo para se dirigir a uma casinha para comprar um bilhete. Na casinha, sou recebida por duas portuguesas que deixaram de conversar assim que entro e permaneceram em silêncio até eu sair – dando-me a impressão de que estou atrapalhando. Ou como se estivessem espantadas de alguém efetivamente entrar e comprar um bilhete.

O Jardim é maravilhoso. É uma mistura de memórias da minha infância com lugares somente imaginados. Há pássaros cantando nas árvores, coisa que eu não ouvia havia meses, e o sol e o ceu azul fazem o décor ficar digno de um filme de época. Mais um lugar onde se poderia filmar cenas bem bacanas (senti isso em Tiradentes, em Minas Gerais, e no Mosteiro dos Jerônimos, em Lisboa mesmo).

Eu ando por todo o jardim, na parte alta há canteiros de flores, um fícus enorme, uma seringueira e um pé de babosa que me deixam morta de saudades de casa – principalmente a seringueira, igual à que existia no páteo da escola. E há pavões. Dá para escutá-los mesmo antes de vê-los. Um deles é branco, e se recusa a posar pra mim. Muito contrários à classe que tendemos a atribuir a eles, os pavões não fazem cerimônia e passam o tempo todo a bicar o chão. Uma espécie de pato que passeia pelo jardim não sente ciúmes do fato de eu não querer tirar fotos dele.

Totalmente homesick, ao mesmo tempo felicíssima por ver vegetação e clima familiares, sento em um banco e fico lendo Orgulho e Preconceito por uns 40 minutos. O chão em volta é daquela terra meio areiosa tão comum em parques no Brasil.

Como ainda tenho uma hora de sol, resolvo descer a Calçada d’Ajuda e pegar o trem, mas sentido Cais do Sodré para lá pegar o metrô até o Baixo Chiado e ver de novo o café À Brasileira. O metrô está começando a ficar cheio. É quase fim de tarde de uma sexta-feira e os lisboetas se dirigem à agitação do Chiado. Na saída do metrô, punks de moicanos espetados se aglomeram em volta do monumento e uma bandinha toca rock. O À Brasileira nem está tão cheio, mas meu negócio hoje é andar. Há várias lojas muito bacanas no Chiado, e caras.

Depois de meia hora pego o metrô de volta, na contramão. Estou feliz de andar no transporte público de Lisboa, eu que sou tão fã desse tipo de transporte. O sol já está terminando de se pôr e eu estou chegando a Algés de trem, ainda tenho que subir a pé até o Alto. A noite está agradável, a vista do mar é linda.

Lápis lázuli
03-03-2010

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