Flip homenageia Hilda Hilst e consolida tendência ao destacar autores de fora do cânone literário Festa começa nesta quarta (25); debate sobre escritores excluídos opõe conservadores e revisionistas

DO TEXTO:
A escritora Hilda Hilst, homenageada da Flip 2018, retratada nos anos 1960  - José Luis Fuentes/Acervo IHH

Maurício Meireles
SÃO PAULO

Se a Flip fosse uma catedral, até há pouco tempo em seu altar estariam os santos mais famosos —diante dos quais os acólitos iam a cada ano ouvir a missa e prestar tributos.

Nos últimos anos, começaram a surgir santos populares no altar —eles podem não ter a aprovação do clero, mas seus devotos juram que eles também fazem milagres.

A Flip, que começa nesta quarta-feira (25) com a homenagem a Hilda Hilst, dá mais um passo numa mudança de perfil que se insinua nos últimos anos —em vez de celebrar medalhões do cânone literário, a festa tem preferido nomes fora dele ou que são candidatos a compô-lo.

Hilda, ainda criança, na década de 1940 /Acervo pessoal/ Instituto Hilda Hilst

Nas últimas cinco edições, só em 2015, com Mário de Andrade, a festa elegeu um escritor canônico. Nos demais anos, os homenageados foram Millôr Fernandes (2014), Ana Cristina César (2016) e Lima Barreto (2017) —que é um clássico, mas compõe uma espécie de cânone marginal.

No caso deste último, que não teve reconhecimento em vida, a Flip se dedicou a discutir especialmente os processos que levam um autor como Lima a ser marginalizado —com recorde de autores negros convidados.

"Acho que a Flip serve de temperatura e indicativo das discussões sobre o cânone que já ocorrem na universidade e que, com ela, chegam ao grande público. Ainda estudamos a história literária por livros escritos há mais de 50 anos, devemos pensar no que pode ser reavaliado", diz Joselia Aguiar, curadora do evento pela segunda vez.

A discussão em torno de um cânone literário —se tal grupo deve ser alargado, existir ou ser extinto— é uma das mais controversas da literatura da segunda metade do século 20 até hoje.

O leitor vai encontrar desde defensores apaixonados da existência de tal categoria —o mais famoso é o americano Harold Bloom, que grafa Cânone em maiúscula— até quem diga que ela é apenas um reflexo dos privilégios de homens brancos.

Neste segundo campo, em um espectro cheio de matizes, está a crítica que propõe o revisionismo a partir da ótica dos estudos étnicos, pós-coloniais ou de gênero, entre outros.

Parece simples, mas o tema gera brigas inflamadas: revisionistas acusam defensores do cânone de serem reacionários, enquanto estes acusam uma degeneração da cultura literária em nome de um bom-mocismo político.

A própria homenageada deste ano, como mostra o levantamento no livro "Fortuna Crítica de Hilda Hilst" (IEL/Unicamp), recém-lançado, deve sua fama atual em boa parte aos estudos de gênero.

No prefácio, o crítico literário Alcir Pécora defende que Hilda passou a ser lida, nos anos 2000, porque os paradigmas do modernismo paulista —com critérios de valor nacional, vocabulário informal, perspectiva laica e temas sociais— foram questionados.

Há uma semelhança com Lima Barreto, que também ficou de fora do cânone do modernismo —sendo classificado por muito tempo como pré-modernista, ou seja, alguém que não tinha chegado lá.

"Me incomodava um pouco [o antigo perfil], porque parecia ranking do cânone", diz Paulo Werneck, editor da revista literária 451 e curador da festa em 2015 e 2016, quando Millôr e Ana C. foram homenageados. "Não acho que a Flip canonize ninguém, mas ajuda a destacar a relevância de autores."

Para Antonio Carlos Secchin, poeta, ensaísta e membro da ABL (Academia Brasileira de Letras) —instituição em geral ciosa da preservação de um cânone—, acha que eventos como a Flip servem para propor inclusões ou exclusões a essa lista. Mas critica quem vê o cânone como algo careta.

"O lado lamentável de quando ele é criticado como reacionário é o fato de que o cânone trata do passado que está vivo. São autores do passado, mas que são nossos contemporâneos", diz Secchin.

"Ana Cristina César e Hilda Hilst não estão no cânone porque estão muito próximas de nós [no tempo]. O canônico é o que estará vivo duas ou três gerações depois da morte do autor."

Embora a linhagem metafísica da literatura brasileira —com a qual Hilda dialoga— tenha tido pouca circulação no Brasil, o crítico acredita que a homenageada da Flip fazia um personagem vitimizado.

"Ela reclamava de uma omissão da crítica que não era tão verdadeira."

FLIP TERÁ COLSON WHITEHEAD E LIUDMILA PETRUCHÉVSKAIA

A Flip, que começa nesta quarta (25) e vai até domingo (29), terá sua abertura, às 20h, com Fernanda Montenegro e Jocy de Oliveira.

Entre os destaques da edição, estão nomes como o americano Colson Whitehead, autor de "The Underground Railroad", e a russa Liudmilla Petruchévskaia, autora de "Era Uma Vez Uma Mulher que Tentou Matar o Bebê da Vizinha".

O primeiro participa de uma mesa ao lado do escritor carioca Geovani Martins, revelado neste ano com o volume de contos "O Sol na Cabeça" (Companhia das Letras).

Já a russa falará, em uma mesa sozinha, sobre sua trajetória e a perseguição que sua obra sofreu sob o stalinismo.

Também participam o egípcio André Aciman ("Me Chame pelo Seu Nome") e a franco-marroquina Leïla Slimani ("Canção de Ninar"), entre outros.

A partir desta quarta-feira (25), ingressos para os debates ainda com vagas podem ser adquiridos na bilheteria da Flip, em Paraty, antes de cada mesa. Eles custam R$ 55 (inteira), mas há um telão grátis do lado de fora do espaço principal. Quem ficar em casa, pode acompanhar as mesas ao vivo pelo canal da Flip no YouTube, no endereço youtube.com/flipfestaliteraria.

PROGRAMAÇÃO PRINCIPAL

QUARTA (25)
20h - Sessão de abertura, com Fernanda Montenegro e Jocy de Oliveira

QUINTA (26)
10h - Gabriela Greeb e Vasco Pimentel
12h - Júlia de Carvalho Hansen, Laura Erber e Maria Teresa Horta
15h30 - Christopher de Hammel 
17h30 - Djamila Ribeiro e Selva Almada
20h - Sérgio Sant'Anna e Gustavo Pacheco

SEXTA (27)
10h - Lígia Ferreira e Ricardo Domeneck
12h - Fabio Pusterla e Igiaba Scego
15h30 - Alain Mabanckou
17h30 - André Aciman e Leïla Slimani 
20h - Eliane Robert Moraes e Iara Jamra 

SÁBADO (28)
10h - Jocy de Oliveira e Vasco Pimentel
12h - Simon S. Montefiore
15h30 - Isabela Figueiredo e Juliano Garcia Pessanha
17h30 - Colson Whitehead e Geovani Martins
20h - Liudmila Petruchevskáia 

DOMINGO (29)
10h - Franklin Carvalho e Thereza Maia
12h - Eder Chiodetto, Iara Jamra e Zeca Baleiro
15h30 - Livro de cabeceira

PROGRAMAÇÃO CASA FOLHA ​
QUINTA (26)
9h30 (mesa 1)

A Pátria Educadora em Colapso - Renato Janine Ribeiro

Mediação: Fernanda Mena
15h (mesa 2)

Refugiados em um Mundo de Muros - Ana Lemos e Patrícia Campos Mello

Mediação: André Barcinski
18h (mesa 3)
Mesa-mundi - Zeca Camargo
Mediação: Anna Virginia Balloussier

SEXTA (27)
9h30 (mesa 4)
Homenagem a Carlos Heitor Cony - Ruy Castro
Mediação: Sérgio Dávila 
15h (mesa 5)

Para Onde Vai a Economia Brasileira - Joel Pinheiro da Fonseca e Laura Carvalho
Mediação: Uirá Machado
18h (mesa 6)

Do Lulismo em Crise às Eleições 2018 - André Singer e Demétrio Magnoli 
Mediação: Uirá Machado

SÁBADO (28)
9h30 (mesa 7)
Hello, Brasil: Uma Psicanálise do Povo Brasileiro - Contardo Calligaris 
Mediação: Uirá Machado
15h (mesa 8)

Homem-Objeto e Outras Coisas sobre Ser Mulher - Tati Bernardi 
Mediação: Fernanda Mena 
18h (mesa 9)
Ausência de Sentido - Tiago Ferro e Monja Coen 
Mediação: Fernanda Mena

DOMINGO (29)
9h30 (mesa 10)
Escravidão, Liberdade e Racismo - Alexandra Loras e Lilia Moritz Schwarcz 
Mediação: Patrícia Campos Mello


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