O extermínio de cerca de 10 mil ratos-pretos (Rattus rattus) na ilha do Meio deve beneficiar os atobás-marrons que se reproduziam ali
Pesquisadores
brasileiros acreditam ter erradicado os ratos de uma ilha de Fernando de
Noronha, uma medida que deve beneficiar a biodiversidade local. O alvo da
operação – inédita no país – foi a ilha do Meio, uma das menores do
arquipélago, inabitada e com 16 hectares (o equivalente a dezesseis campos de
futebol). Os cerca de 10 mil roedores da espécie Rattus rattus que
infestavam a ilha representavam uma ameaça para as aves que se reproduzem ali,
sobretudo os atobás-marrons,
que põem seus ovos no chão e não oferecem resistência aos predadores
.
Os ratos não
ocorriam originalmente na ilha do Meio – e em nenhuma outra de Fernando de
Noronha – e, por isso, eram considerados forasteiros indesejados que traziam
impactos ambientais nocivos para o ecossistema local. As espécies invasoras são
um problema ambiental especialmente sério em ilhas, onde elas frequentemente
não encontram predadores naturais e dispõem de alimento à vontade.
Em outros países
o extermínio de espécies exóticas é uma estratégia adotada há décadas para
combatê-las. Na Nova Zelândia – uma nação-arquipélago que é líder mundial na
luta contra os invasores biológicos –, ratos e outros mamíferos forasteiros já
foram eliminados de 117 das 345 ilhas do país. No início deste século, o Brasil
já tivera sucesso ao erradicar as cerca de 800 cabras que viviam na ilha de
Trindade, a 1 200 quilômetros do litoral do Espírito Santo, mas não tinha
tentado a estratégia contra mamíferos menores. Se confirmado o anúncio dos
pesquisadores, será a primeira erradicação de ratos de uma ilha do país.
A erradicação foi
planejada e executada por biólogos e veterinários ligados à Tríade – Instituto
Brasileiro para Medicina da Conservação, que atua no arquipélago desde 2007.
Para exterminar os ratos, os pesquisadores fizeram quatro campanhas para
distribuir um veneno anticoagulante (o brodifacoum) em centenas de armadilhas
espalhadas pela ilha do Meio. Em outubro passado, acompanhei a equipe da Tríade
numa das campanhas de espalhamento de veneno. A história foi contada na
reportagem “Estranhos
no paraíso”, publicada na piauí_136,
que agora está aberta para todos os leitores.
A confirmação da erradicação bem-sucedida
veio de uma expedição feita em abril, quando uma equipe da Tríade passou três
semanas no arquipélago e fez uma expedição de monitoramento à ilha do Meio.
Espalharam vinte armadilhas com iscas para ratos em diversos pontos da ilha do
Meio, e todas permaneceram intocadas, um indício forte de que os roedores foram
eliminados. Na campanha anterior, feita entre o fim de janeiro e o início de
fevereiro, as armadilhas deixadas na ilha também ficaram intactas.
No último fim de
semana conversei por telefone com o coordenador do projeto, o
médico-veterinário Paulo Rogerio Mangini, um dia depois de a equipe da Tríade
voltar do arquipélago. “Acreditamos ter erradicado os ratos da ilha, mas só
poderemos afirmar isso com segurança se monitorarmos o ambiente por um período
maior de tempo”, disse Mangini. O pesquisador ressaltou que é possível que
tenham sobrevivido indivíduos que a equipe não conseguiu detectar. “Em todo
caso, a população de ratos foi controlada para um nível muito, muito baixo.”
Para se
certificar de que os roedores de fato foram exterminados, os pesquisadores
deixaram espalhadas pela ilha 55 armadilhas com iscas com veneno para ratos e
montaram um protocolo de monitoramento que será executado por técnicos do
ICMBio, a autoridade ambiental do governo federal. “O ideal seria monitorar a
ilha a cada três meses ao longo dos próximos dois ou três anos”, disse Mangini.
O monitoramento é
importante também para garantir que a ilha do Meio não voltará a ser colonizada
pelos ratos. Como as ilhas vizinhas não tiveram suas populações de roedores
eliminadas e esses animais são capazes de nadar por distâncias de pelo menos um
quilômetro, há o risco de eles voltarem mais cedo ou mais tarde.
A equipe da
Tríade já observou possíveis efeitos benéficos da eliminação dos ratos da ilha
do Meio. “Dá para perceber de forma clara que os ninhais estão sendo
repovoados, vimos mais aves e mais ninhos, todos com ovos”, disse-me por
telefone o biólogo e veterinário Carlos Eduardo Verona. Mas o pesquisador
ressaltou que são necessárias mais observações para caracterizar o fenômeno e
estabelecer o vínculo com o extermínio dos roedores.
O projeto de
pesquisa que executou a erradicação dos ratos foi financiado pelo braço
brasileiro da ONG ambiental WWF e se encerra em maio. Seus resultados serão
relatados num artigo científico a ser escrito pela equipe da Tríade. O know-how
adquirido pelos pesquisadores – que contaram com a ajuda de James Russell, um
biólogo neozelandês especializado no combate a ratos em arquipélagos – poderá
no futuro ser aplicado a outras ilhas de Fernando de Noronha.
Paulo Rogerio
Mangini disse que a Tríade deve elaborar um projeto de pesquisa para dar
continuidade ao trabalho feito na ilha do Meio. Eles pretendem fazer estudos
preliminares a fim de planejar a eliminação dos roedores da ilha Rata – cujo
nome se deve provavelmente à presença indesejada dos roedores. Como ela é maior
e mais heterogênea que a do Meio, erradicar os ratos dali será um desafio mais
complexo. “Primeiro temos que ter uma noção do tamanho da população de roedores
para traçar uma estratégia de manejo”, disse Mangini. “Vamos precisar de um
pouco mais de preparação até de fato poder administrar o raticida.”
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