Jô Soares com o martelo de seu personagem,
o juiz de A Noite de 16 de Janeiro, peça que ele também dirige
Naief Haddad
SÃO
PAULO
Jô Soares não arreda o
pé do palco.
Quando a reportagem chega para entrevistá-lo, o
ator, humorista e diretor está no tablado do Tuca, em São Paulo, gravando um
vídeo de divulgação da sua nova peça, "A Noite de 16
de Janeiro", que entra em cartaz neste sábado (5).
Vinte minutos depois, começa ali mesmo a sessão
de fotos para a Folha. Aos 80 anos, Jô se
diverte com a câmera. Diante da lente, suas feições mudam com rapidez e
naturalidade. Ele segura com a mão direita um martelo de madeira, instrumento
do seu personagem, o juiz que vai conduzir esse drama de tribunal.
Iniciada a entrevista, continuamos no palco,
como Jô prefere. Meia hora depois, o diretor-assistente, Mauricio Guilherme,
quase constrangido, nos pede para dar sequência à conversa em outro espaço. Na
quarta (2), três dias antes estreia, havia ajustes de cenografia em andamento.
No camarim, ele conta que já fez mais de 15 mil
entrevistas ao longo de 28 anos, primeiro no SBT e depois na Globo.
"Quando eu parei, a única coisa que senti saudade foi das Meninas do Jô
[quando ele reunia jornalistas no estúdio para discutir temas da semana,
especialmente políticos]", diz. O último
"Programa do Jô" foi ao ar em 16
de dezembro de 2016.
Agora é tempo de teatro, que o deixa com um
entusiasmo de moleque. Nessas quase três décadas de talk show, ele jamais se
afastou definitivamente dos palcos, mas as incursões como diretor eram muito
mais frequentes que as como ator. Em "A Noite de 16 de Janeiro", ele,
enfim, concilia direção e interpretação.
Seu último trabalho como ator no palco já tem
mais de dez anos. Aconteceu em 2007 com "Remix
Pessoa", um solo com poesias de Fernando Pessoa. Mas o ânimo de Jô está,
sobretudo, em reunir um elenco com o qual possa contracenar. Segundo ele, a
última vez que dividiu o tablado com outros atores foi há cerca de quatro
décadas, com "Tudo no Escuro", de Peter Schaffer.
Estava em busca de um texto para encenar quando
se lembrou de "O Julgamento de Mary Dugan" (1927), em que uma
dançarina da Broadway vai a tribunal sob acusação de um homicídio. Mas seria
uma produção de altíssimo custo, com mais de 30 atores.
Foi "Mary Dugan" quem o levou a um
texto escrito seis anos depois, em 1933, também um drama de tribunal.
"A Noite de 16 de Janeiro", da russa
radicada nos EUA Ayn Rand, mostra o julgamento de Andrea Karen (Guta Ruiz),
acusada de assassinar o empresário de quem era amante.
Desde que entrou em cartaz pela primeira vez, em
1934, em Los Angeles, o espetáculo também tem chamado a atenção pela formação
do júri. No Tuca, onde fica até dezembro, serão sempre 12 pessoas (convidados
ou gente da plateia) incumbidas de decidir o destino da personagem.
"A Noite de 16 de Janeiro" foi uma das
primeiras obras de ficção da filósofa, romancista e roteirista Ayn Rand
(1905-1982). Ela se tornou conhecida pela concepção do objetivismo, doutrina
que afirma a existência de uma realidade objetiva, independente da consciência
do ser humano.
Entre seus livros mais conhecidos, estão "A
Nascente" (1943) e "A Revolta de Atlas" (1957) —ambos foram
editados no Brasil, mas estão hoje fora de catálogo no país.
Embora "A Revolta de Atlas" seja
cultuado pelos conservadores, especialmente nos EUA, Jô considera Rand uma
intelectual capaz de desagradar a esquerda e a direita.
No Brasil, ela foi mencionada pelo então procurador-geral
Rodrigo Janot no texto em que abriu a denúncia contra o senador Aécio Neves
(PSDB) por corrupção passiva e obstrução de Justiça.
"Quando
observares a corrupção a ser recompensada e a honestidade a se converter em
autossacrifício, então poderás constatar que a tua sociedade está
condenada", citou, dando o crédito à autora.
Jô insiste, contudo, em se manter distante das
predileções políticas presentes na obra de Rand. "Sou um anarquista do
ponto de vista intelectual. Não é para jogar bomba em ninguém, mas eu não me filio
a esse ou àquele partido. Eu sou um artista e, como tal, acredito que não devo
me envolver em política", afirma.
À parte o fascínio pelo texto para teatro de Ayn
Rand, havia uma coincidência.
Jô Soares nasceu em um 16 de janeiro. Em 1938.
"QUALQUER SEMELHANÇA COM A ODEBRECHT É MERA
COINCIDÊNCIA"
"A corrupção! Uma corrupção das mais
chocantes", responde Jô, enfático, ao ser questionado sobre a ligação do
texto escrito nos EUA em 1933 e a realidade do Brasil de 2018. "Qualquer
semelhança com a Odebrecht é mera coincidência", brinca.
Há um trecho do espetáculo em que o promotor
(Marco Antônio Pâmio) diz que a nação precisa tomar cuidado para não se
transformar em um grande paraíso de corruptos e corruptores.
Pâmio, aliás, estava em "Troilo
e Créssida", a última peça dirigida por Jô, com temporadas em
2016 e 2017. Vem dessa montagem do texto de Shakespeare boa parte do elenco de
"A Noite de 16 de Janeiro", caso de Paulo Marcos, Ricardo Gelli e
Tuna Dwek.
Um dos protagonistas de "Histeria",
comédia dirigida por Jô antes de "Troilo e Créssida", Cássio Scapin
vive o advogado de defesa no novo espetáculo.
Jô se deu de presente o papel de juiz.
"Tenho domínio sobre todos eles [os demais personagens], o que é altamente
sedutor. Fico pensando no Supremo. Os ministros devem se sentir
superpoderosos."
Nesta nova peça, Jô orienta 15 atores, além das
dezenas de pessoas que, dos bastidores, fazem o espetáculo acontecer.
Trata-se do mais recente capítulo de uma
história de mais de seis décadas em teatro, TV, cinema, literatura e rádio. Jô
é um dos expoentes da sua geração de humoristas, ao lado de nomes como Chico
Anysio(1931-2012) e Agildo Ribeiro (1932-2018).
A trajetória bem-sucedida, porém, não lhe
oferece o conforto da segurança. Diz, na verdade, rejeitar a autoconfiança.
"Há sempre um momento do ensaio que te dá medo. 'Será que tá certo isso?',
eu me pergunto. Mas insegurança é fundamental, indispensável."
Em 1969, durante os preparativos para a montagem
de "Romeu e Julieta", sob sua direção, houve um instante em que se
percebeu em pleno domínio do ofício.
Nas suas palavras, "era empáfia de achar
que sabia tudo". No dia seguinte, viu que tinha tomado decisões
equivocadas e promoveu várias mudanças na encenação.
peça que ele também dirige
"QUALQUER SEMELHANÇA COM A ODEBRECHT É MERA COINCIDÊNCIA"
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