Bienal de SP assume riscos com profusão de mostras

DO TEXTO:
Obra de Sofia Borges "Pintura, Cérebro e Rosto" (2017) 

Silas Martí
NOVA YORK

Universos díspares podem entrar em colisão na próxima Bienal de São Paulo. 

Estruturada em torno de seleções de nomes históricos e contemporâneos encomendadas a sete artistas-curadores, a exposição talvez seja mesmo um arquipélago de afinidades, como quer o espanhol Gabriel Pérez-Barreiro, o homem no comando desta 33ª encarnação da mostra marcada para setembro.

Nesse conjunto de recortes menores, cada ilha também opera como espelho narcísico ou distorcido de seu regente.Há os copiadores e cínicos reunidos pelo uruguaio Alejandro Cesarco, entre eles Sturtevant, que passou a vida replicando obras de medalhões da história como Andy Warhol, Jasper Johns e Joseph Beuys, e Louise Lawler, que fotografa obras de famosos em galerias de museus e leilões.

São operações da chamada crítica institucional, um ataque ao sistema de museus e do mercado que orienta o mundinho da arte contemporânea.
Mas a seleção de Cesarco, ele mesmo também conhecido por operações de deslocamento e apropriação, como o roteiro do clássico “Alphaville”, de Jean-Luc Godard, que reproduziu em outdoors no bairro nova-iorquino do Queens, tem ainda um dos nomes mais afiados da nova geração desse gênero artístico que defende a autodestruição.

O americano Cameron Rowland vai além da bolha da arte ao atacar outro mercado atravessado por bastidores sinistros, trazendo para a galeria o mobiliário fabricado por detentos das prisões americanas em jornadas de trabalho forçado e até apólices de seguro cobrindo a morte de escravos que definharam nas antigas plantações do sul de seu país.

Numa ala mais lúdica, a argentina Claudia Fontes, que representou seu país na última Bienal de Veneza com a escultura de um enorme cavalo branco suspenso do teto como se flagrado no meio de um salto, escalou cineastas e escultores que também tentam fixar no espaço formas escorregadias e movediças.

Entre eles estão a islandesa Katrín Sigurdardóttir, que constrói maquetes distorcidas de espaços onde já viveu, trocando a memória arquitetônica pela afetiva, e a boliviana Elba Bairon, que revisita o repertório da estatuária europeia clássica, mas substitui o mármore pela pasta de papel, criando volumes liquefeitos.

Uma interpretação mais visceral da arquitetura, que extravasa os limites rígidos de plantas e pranchetas, orienta a seleção da americana Wura-Natasha Ogunji, que escalou só artistas mulheres para reagir com o corpo às formas de opressão, conforto e conflito que rondam as construções. Nesse ponto, artistas como a francesa Mame-Diarra Niang, a americana Nicole Vlado e a libanesa Youmna Chlala parecem estar em sintonia com os idílios enganosos retratados pelos nomes de outro recorte.

Mamma Andersson, uma pintora sueca conhecida por plasmar em seus quadros interiores burgueses prontos a se rebelar contra habitantes incautos, construiu a mais soturna e sedutora das seleções.

Lá estão os vilarejos habitados por estranhas garotas vitorianas hermafroditas dos desenhos do americano Henry Darger, os prédios impenetráveis das pinturas de Dick Bengtsson e os filmes estonteantes, que fundem tinta e película, de Gunvor Nelson.

Mais famoso dos artistas brasileiros já confirmados na mostra, Waltercio Caldas faz de seu recorte um espelho de suas influências, com peças do escultor espanhol Jorge Oteiza, um artífice das formas geométricas vazadas, além do art déco de toada indigenista de Vicente do Rego Monteiro.

Sofia Borges, jovem fotógrafa agora em sua segunda Bienal de São Paulo, arregimenta um time de mulheres, entre elas a britânica Sarah Lucas, em torno de uma reflexão sobre a mitologia trágica.

É de encher os olhos, mas resta ver se essa profusão de mostras menores não corre o risco de se tornar indigesta.


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