Fernando Henrique Cardoso: jovialidade e perspicácia crítica

DO TEXTO:


 Rodrigo Augusto Prando

Fernando Henrique Cardoso conta hoje com 86 anos. Sua trajetória é bem conhecida. Professor e pesquisador no campo das Ciências Sociais, oriundo da Universidade de São Paulo, intelectual público que lutou contra o Regime Militar e político, tendo sido Senador, Ministro e Presidente da República. De qualquer perspectiva que se vislumbre sua biografia, encontraremos elementos superlativos.

Por que então, mesmo com sua idade avançada, FHC continua como referência intelectual e política? Pergunta simples, mas de resposta complexa. Num mundo – arrisco-me a responder – de superficialidades, de fake news, de destruidores de reputações, de pobreza teórica e de política assentada no ódio, FHC continua jovem e perspicaz em suas intervenções públicas. Aos que quiserem verificar aquilo que ora assevero, sugiro, para ficar no mais recente, a leitura de seu artigo na edição de 04/03/18 do jornal “O Estado de S. Paulo” e sua entrevista publicada na edição de 07/03/18 do jornal “Folha de S. Paulo”, domingo e quarta-feira, respectivamente. Em ambas, Cardoso apresenta-se como um democrata, com espírito republicano e avesso aos rótulos e ao ódio na política que transforma o adversário político (com quem devo conviver, embora discorde) em inimigo (que devo eliminar, sem dialogar ou conviver).

Estudioso que sou da trajetória intelectual e política de FHC, escutei e li, em muitas ocasiões, que FHC está “senil”, “gagá”, “falando bobagem”, etc. O gatilho, no caso, para tais afirmações foi sua recente posição acerca da candidatura do apresentador Luciano Huck. Sobre esse episódio, deixo, aqui, as próprias palavras do intelectual-político, em seu artigo no Estadão, citado acima: “Vi com bons olhos a formação da Rede. Enxergo em Marina Silva uma figura positiva na política brasileira. Procedi da mesma maneira na formação do (Partido) Novo, conversei com seu presidente, João Amoedo, como converso com muitos políticos. [...] Apoiei o Vem pra Rua, participei de seminário da Raps (Rede de Ação política pela Sustentabilidade), saudei o RenovaBR, assim como faço com o Agora. [...]. Tampouco deixo de me relacionar com os adversários políticos. No auge do antipetismo paulista, almocei na Prefeitura com Fernando Haddad e em outra ocasião assistimos uma ópera. Nem por isso aderi ao PT”. E, ainda, sobre Huck: “Sendo assim, por que não haveria de saudar a predisposição de Luciano Huck de participar da vida política?”.

Aqui, no caso em tela, FHC é aquele que consegue lidar, analiticamente, com as estruturas e com as conjunturas, é competente em, dialeticamente, construir a “unidade do diverso”, ou, de forma mais pedestre, é capaz de enxergar a árvore (indivíduos/candidatos) e a floresta (o cenário político-eleitoral). Não faltou quem, de dentro de seu partido, o PSDB, acusasse FHC de sabotar a candidatura de Alckmin. FHC, perspicaz, nunca negou e sempre verbalizou que seu candidato será Alckmin, mas não deixou de apresentar algo óbvio: caso tal candidatura não decole, não consiga aglutinar forças no centro democrático, haveria que se pensar noutras alternativas, sobretudo com vistas a neutralizar as forças autoritárias e populistas. Muitas vezes sua dupla condição de intelectual e político faz com que, na ética da responsabilidade, aflore o intelectual, irritando os políticos, firmados na ética da convicção, para falarmos com Weber.

FHC foi maltratado por Lula e pelos petistas e nem assim deixa de reconhecer a importância simbólica e as realizações governamentais de Lula. Foi, a FHC, atribuída a expressão “herança maldita”, para caracterizar seu legado. Penso, eu, que FHC nos legou e nos traz, hoje, mais do que nunca, uma herança bendita, como democrata de espírito republicano.

Rodrigo Augusto Prando é Cientista Político e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. É Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp/FCLAr.

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