Portugal exibe design atual feito no Brasil, de sinalização a arquitetura

DO TEXTO:

Mara Gama
Colunista da Folha

Lá estão a Bomba Hacker, que serve para transportar água de reúso, assim como as placas de rua azulejadas da Maré, maior conjunto de favelas do Rio de Janeiro, e uma documentação gráfica dos bailes Black de São Paulo. Na direção contrária de uma seleção de peças icônicas ou de construir um "showroom onde só faltam etiquetas de preço", o curador português Frederico Duarte apresenta desde sábado (23) o maior e mais variado panorama das ideias do design atual feito no Brasil já visto em Portugal.

"Como se pronuncia design em português - Brasil hoje", fica até 31 de dezembro no palácio Condes da Calheta, em Belém, Lisboa. São 50 projetos, entre sistemas, comunicação, arquitetura, mapas, tipografia, embalagens, mobiliário e objetos. E também 50 livros sobre design e sobre designers. Uma aquisição de 1.000 de exemplares leva alguns títulos pela primeira vez para venda ao público de Portugal.

Para o curador, um dos maiores interesses no design brasileiro é também o seu maior desafio: como os designers interpretam a mobilidade social e as mudanças do mercado de consumo. "Ou seja, a ascensão da Classe C (ou emergente), estes cerca de 100 milhões de pessoas que se tornaram consumidores nas últimas duas décadas e que alteraram hábitos, incluindo o consumo de cultura, o uso do espaço público, aviões e aeroportos."

Um exemplo desse foco seria o projeto da embalagem Sou, desenvolvida pela Questto Nó e a Tátil Design para a Natura, a partir da "observação de como pessoas no Brasil tomam banho". 

Muitos consumidores usavam a embalagem mole de refil como embalagem final e esse "o uso errado" indicou os dois temas que nortearam o projeto: a escassez e a racionalidade do utilizador para evitar o desperdício. "Foram estas duas ideias que iniciaram e conduziram todo o processo do que, para mim, é talvez o projeto mais revolucionário do design brasileiro do século 21", diz Duarte. Na maior parte dos projetos selecionados, está presente o aspecto colaborativo.

"Talvez de uma forma mais óbvia na Bomba Hacker, desenvolvida por um coletivo de designers e estudantes, com intenção de abertura, transparência dos processos e partilha dos resultados. Também está presente nas placas de Rua da Maré, entre a designer Laura Taves, a ONG Redes da Maré e os moradores, ou no Aura Pendant, entre o estúdio Guto Requena e o D3 e os utilizadores", diz.

Mostrar a complexidade do design também foi um objetivo: "Vamos abordar o Mapa da Rede de Transportes de Belo Horizonte, exemplo de como os designers não trabalham num vazio nem em condições ideais, mas que prestam serviços a clientes e como tal têm de se adaptar às suas exigências e contingências".

O visitante poderá também ver trabalhos em processo, como a sinalização do parque Estadual da Serra do Mar, da OZ Design, ainda em implementação.
"Interessa-me mostrar ideias, não imagens e mercadorias", diz. Para a mostra, Duarte entrevistou 96 autores. 

Legendas expandidas de 150 palavras para cada projeto e 75 palavras para cada livro informam os visitantes. "Não acredito em exposições de design em que os projetos não são interpretados pelo curador. Quando isso não acontece, o resultado é uma espécie de showroom onde se esqueceram de colocar os preços. Sem informação sobre porque é que esta coisa está à sua frente e porque é que ele se deve importar com ela, um visitante é deixado apenas com a experiência fenomenológica do objeto. Para uma exposição de design não é suficiente", completa.

"Os projetos e livros não estão expostos enquanto objetos de contemplação. São antes perspectivas, pontos de vista, veículos de conhecimento. Exemplos de como o design reflete, interpreta e age sobre o presente para construir um futuro que é maior do que um país", avalia.

Duarte pesquisa o design brasileiro há tempos. Começou durante o mestrado em crítica de design na School of Visual Arts em Nova York, entre 2008 e 2010.

Passou a visitar o Brasil regularmente depois disso, conhecendo projetos e publicando artigos. A partir de 2014, fez doutorado sobre desafios do design brasileiro num projeto da Birkbeck College e do Victoria & Albert Museum. 

Para a curadoria, passou três meses no Brasil, em 2016, entrevistando estudantes, professores, críticos, autores. "Fiz 31 segmentos de voo, conheci 14 cidades e a reserva de desenvolvimento sustentável Mamirauá, onde fui a convite de Marcelo Rosenbaum", conta. Hoje, é pesquisador bolsista da Fundação para a Ciência e Tecnologia de Portugal e se divide entre Lisboa e Londres, dando aulas.

A seleção de livros da mostra traz títulos que instigaram sua pesquisa: "Design Brasileiro: Quem Fez, Quem Faz", de Ethel Leon, "Design para um mundo complexto", e Rafael Cardoso, e o menos conhecido "Amamentação e o Desdesign da Mamadeira", de Cristine Nogueira. 

"É um grande livro e uma polêmica sobre design que toda a gente deveria ler - a começar pelos designers. Este é talvez o título que eu quero que mais gente leia".

A mostra faz parte da programação Lisboa 2017 - Capital Ibero-americana de cultura, realizada pelo MUDE, o Museu de Design e Moda, temporariamente instalado no Palácio Condes da Calheta. 

In:http://www1.folha.uol.com.br
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