Confira entrevista exclusiva com a estrela portuguesa Carminho

DO TEXTO:

Uma das cantoras mais importantes da atualidadel, ela também faz sucesso no Brasil, com elogios de público e crítica

Irlam Rocha Lima

Fadista da nova geração, Maria do Carmo de Carvalho Rebelo de Andrade, a Carminho, é um dos nomes de maior destaque da música portuguesa contemporânea. Intérprete de outros gêneros, como o jazz, a MPB, ela tem estreita ligação com artistas brasileiros, como Chico Buarque, Maria Bethânia e Marisa Monte, de quem é parceira.

As duas gravaram Chuva no mar, uma das faixas de Canto, o terceiro CD da cantora e compositora lusitana, lançado em 2014. A canção integrou também a trilha sonora da novela A Lei do Amor. Outros títulos da discografia dela são: Fado (2009), Alma (2012) e Carminho Canta Tom Jobim, que chegou ao mercado em 2016.

Em março, Carminho voltou ao Brasil para  shows de lançamento do álbum em tributo a Tom, no qual interpreta clássicos da obra do Maestro Soberano, incluindo A felicidade, Estrada do sol, Luísa, Por causa de você, Retrato em branco e preto e Sabiá. As apresentações foram em Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.

Em Brasilia esteve recentemente. Num show para a celebração da data nacional de Portugal, Carminho ocupou o palco do Teatro Poupex, no Setor Militar Urbano, no dia 19 último. Quatrocentos convidados tiveram o privilégio de ouvi-la interpretar um repertório de fados que contou com As pedras da minha rua, Bom dia amor, Lágrimas do céu, Marcha de Alfama, Saudade do Brasil, com o qual homenageou Vinicius de Moraes.

Com um timbre belíssimo e uma presença cênica cativante, soltou a voz em Chuva no mar e concluiu o concerto com Sabiá. Durante o show fez referências elogiosas a Tom Jobim e Brasília. Antes, no hotel em que ficou hospedada, falou com exclusividade ao Correio.

Quando criança, você já tinha interesse pela música?
Eu comecei a ter contato com a música desde criancinha, com a minha mãe cantando e fazendo muitas noites de fado em casa. Isso permitia que eu tivesse muito contato com músicos, cantores, artistas, sem contar com os discos que tinha na minha casa.

Antes de iniciar a carreira de cantora, você deu uma volta ao mundo. A intenção era conhecer outras culturas?
Eu não poderia decidir por uma profissão sem saber o que era. A música sempre havia estado na minha vida, mas isso não quer dizer que eu viesse a tomar a música como uma profissão. Implica muito trabalho, implica saber que direção ter, saber o que você gosta de cantar e ouvir. Eu fiz um curso de publicidade na faculdade. Foi quando acabou que eu senti que faltava alguma coisa para a minha realização pessoal e profissional. Então, como eu já tinha alguns conhecidos no voluntariado, durante a faculdade, que eu fiz em Lisboa e em Cabo Verde, eu sabia que o voluntariado seria uma ferramenta boa para uma pessoa se encontrar, procurar mais respostas sobre si e também viajar o mundo. As outras culturas são muitas vezes a resposta de nós mesmos, e isso foi uma procura grande de quase um ano, não só fazendo voluntariado, mas também viajando, procurando conhecer outras pessoas e outras formas de se expressar.

A primeira vez que veio ao Brasil, você ainda não era ligada à música profissionalmente, que impressão o país te causou?
A primeira vez que eu cheguei ao Brasil, que foi no Rio de Janeiro, vim pelo pelo mar, de navio. Então, era um cruzeiro no qual eu cantava. A impressão que eu tive foi maravilhosa. O Brasil é um país riquíssimo, cheio de energia, com pessoas muito simpáticas. Esta foi a primeira impressão, depois aprofundei isso com amizades e com trabalho. Conheci ainda outros meandros mais profundos da cultura brasileira e que me dão muito prazer.

Foi determinante para você ser uma fadista o fato da sua mãe ter sido?
Acho que sim. Na verdade, tinha certeza de que eu seguiria no mundo da expressão artística. Acho que um artista não nasce. Não é uma opção da pessoa decidir se vai ser artista. É algo que vem da necessidade da pessoa de expressar a sua forma de viver através de um objeto artístico. Se não fosse através do fado, provavelmente seria através de outro veículo.

O fado dá nome ao seu disco de estreia. Você pensou: “é isso que eu quero fazer”?
Sim. O meu princípio vem já de uma história minha, mas também de uma história que não é minha, que vem antes de mim. Então, é declarar que essa é a minha cultura.

No Fado foram reunidos clássicos do gênero ou há também composições de novos criadores?
Cantei majoritariamente fados tradicionais, mas, muitas vezes, nós podemos trocar a letra por outros poemas. É algo que se faz no fado e que faz parte da cultura e, por isso, tem duas letras minhas nos fados tradicionais já nesse primeiro disco. E tem letras originais de outros poetas de fados tradicionais, como Jorge Rosa, Alfredo Marceneiro, Joaquim Campos.

Tinha alguma coisa do repertório de Amália Rodrigues?
Não. Há muita gente no fado. A Amália é, de fato, a pessoa que mais teve repercussão nacional e internacional. É a grande diva do fado e ela cantou tudo. Então, é muito fácil cantar algo que a Amália já tenha cantado e que ela mesma tenha feito a mesma coisa com outros artistas. Muitos fados que são considerados dela já eram de outros cantos, e ela reinterpretou. Essa é uma coisa natural no fado, as pessoas fazerem reinterpretações uns dos outros. Mas não foi anti-Amália, porque eu sou uma grande fã dela.

Já ouviu Bibi Ferreira cantando o repertório de Amália?
Já e gostei. É uma forma particular de cantar a Amália. Bibi é uma grande artista.

Em entrevista anterior, você disse que descobriu as canções de Tom Jobim quando criança, ouvindo trilhas de novelas brasileiras. No disco em que canta Tom, interpreta as músicas com o sotaque lusitano acentuado. Houve quem quisesse saber porque não abrasileirou um pouco?
Mais que tudo, gosto de saber que há controvérsia e pensamentos sobre isso. É o que me deixa mais lisonjeada, que as pessoas tenham opinião sobre o disco. Quer dizer que ouvem, quer dizer que gostam. E fico feliz que não seja unânime, porque toda unanimidade quer dizer que não mexe com as pessoas, que não agita. Agora, eu diria que cantar no meu sotaque tem a ver com uma necessidade de autenticidade da interpretação, porque eu valorizo mais a interpretação. Talvez isso não seja compreendido por quem não é intérprete, por quem quer escutar as canções. Foi um trabalho sério de pesquisa, de grandes decisões pensadas, sobre o que eu cantaria ou não, que temas abordar. Foi um processo partilhado com a banda, formada por músicos experts na obra de Tom Jobim, como o filho Paulinho e Jaques Morelenbaum.

Teve deles boa acolhida?

Todos me acolheram muito bem e participaram de tudo. Quisemos uma peça nossa, que trouxesse alguma novidade, valorizando sempre o Tom Jobim. A  obra dele tem um lastro sempre novo, e é possível, ao chegar às canções, criar sempre um som novo. É como um céu, que todos os dias tem algo diferente.

E o disco foi bem assimilado em Portugal?
Foi. Com muito orgulho, teve muitas semanas no topo. Teve disco de platina, ganhou alguns prêmios.

Você fez show para lançar o CD, aqui no Brasil, em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte e Porto Alegre. Na sua avaliação, no Brasil, o disco teve também uma boa repercussão?
Sim, esteve também um tempo no topo das vendas, e isso me deixa muito lisonjeada. Por ser portuguesa e também por utilizar essa linguagem. Eu sou uma estrangeira abordando a linguagem do Tom. Fico muito honrada e agradecida com o recebimento que o povo brasileiro tem tido dessa minha interpretação..

Tida como uma quase carioca, já se sente em casa no Brasil?
Certamente. Mas além do Rio de Janeiro, já estive em São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife, Natal e, agora, Brasília.

Mesmo tendo pouco tempo para conhecer a cidade, que impressão teve de Brasília?
É uma cidade maravilhosa. Diziam que era uma cidade toda construída com alguma funcionalidade, toda objetiva e pragmática por um arquiteto genial, que a construiu de uma vez só. Por isso estava sem saber o que sentiria. Pude perceber muito céu, que preenche a arquitetura e que se junta com ela. Tem muito ar, é calma e há muitos edifícios maravilhosos. Não sabia que tinha um lago tão grande, que pude ver do hotel em que me hospedei.

O que mais te chamou a atenção?
Vi um por do sol maravilhoso!


Cultura - Entrevista com Carminho
 
 
 
 




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