Santos, um porto português, com certeza

DO TEXTO:
Conte Grande estava entre os navios utilizados pelos migrantes  
(Foto: Arquivo pessoal /Laire José Giraud)

Entre os séculos 19 e 20, Santos foi porta de entrada de imigrantes portugueses

FERNANDA BALBINO

Porta de entrada para portugueses no Brasil, o Porto de Santos também foi, por um bom tempo, fonte de recursos para esses imigrantes. Muitos deles atuaram na construção do primeiro trecho de cais, inaugurado em 1892, e depois seguiram para outras profissões dentro ou fora do cais santista. Hoje, quando é comemorado o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, o momento é de lembrar do passado e da importância desse povo no desenvolvimento da Cidade e do maior complexo portuário da América Latina.

Por volta de 1880, por conta da grave crise econômica que assolou Portugal, o Brasil passou a ser visto como a “terra das oportunidades”. Além da possibilidade de uma nova vida, o idioma era outro fator que atraiu imigrantes para o País.

De acordo com dados do Memorial do Imigrante, entre 1820 e 1910, 702.690 portugueses chegaram ao Brasil. Já entre 1910 e 1934, o número de imigrantes dessa nacionalidade foi de 263.063. E entre 1935 e 1959, 156.536 deixaram o país europeu em busca de vida melhor na ex-colônia.

E foi nos portos de Santos e do Rio de Janeiro que esses portugueses desembarcaram em grande número. Entre os navios que atracaram no cais santista, destacam-se o Alcântara, o Ana C. Andes, o Augustus, o Avon, o Brasil , o Bretagne, o Cap Arcona, o Cap Polonio, o Conte Biancamano, o Conte Grande, o Conte Rosso, o Conte Verde, o Cristóforo Colombo, o Eugenio,  o Fredrico C, o Giulio Cesare, o Luteia, o Massilia, o Provence, o Santa Maria, o Serpa Pinto e o Vera Cruz.

No fim do século 19, o Brasil vivia o final da escravidão, fator que se mostrou essencial na vinda dos imigrantes. “Sabia-se que mais cedo ou mais tarde, a escravidão acabaria. Por isso, os fazendeiros de açúcar e café se preveniram e garantiram mão-de-obra. Assim, as companhias atraiam portugueses, italianos e espanhóis, vendendo o Brasil como um lugar de maravilhas para quem vinha atraído por emprego e dinheiro”, explicou a historiadora Wilma Therezinha Fernandes de Andrade, professora da Universidade Católica de Santos (UniSantos).

O problema, segundo ela, é que esses imigrantes não aceitaram ser tratados de forma rude por esses fazendeiros, que estavam acostumados a lidar com escravos. Muitos decidiram, então, voltar para Santos e passaram a trabalhar na construção do cais ou em atividades ligadas ao Porto.

Construção de cais

“A CDS (Companhia Docas de Santos) precisava retirar os trapiches que estavam em 23 pontos e construir o cais de pedra. Muitos desses imigrantes foram empregados como mão-de-obra, assim como os nordestinos”, explicou Wilma Therezinha.

Segundo a historiadora Maria Apparecida Franco Pereira, também professora da UniSantos, há relatos de que os imigrantes que atuaram na construção do cais já tinham experiência no mesmo serviço no Porto de Leixões, em Portugal.

“São alguns relatos. Também sabemos que depois, esses trabalhadores foram para armazéns exportadores de café. Já outros trabalharam em ferrovias ou como faxineiros em hospitais”, explicou a historiadora.

O transporte de cargas era outro ramo explorado pelos portugueses. Naquela época, os veículos eram movidos à tração animal e era necessário ter uma carteira de habilitação para levar o café que ia da ferrovia São Paulo Railway até os armazéns.

As moradias, nesses anos, não eram as melhores. Os imigrantes dormiam em armazéns de café, no Centro, que era bastante poluído, principalmente por conta dos animais que defecavam e se alimentavam nas ruas. O milho atraia ratos, que causavam doenças, como a peste bubônica que matou milhares de pessoas.

“Quem tinha condições, mudava-se para o Paquetá, que era um zona nobre, mas depois decaiu. A Vila Nova também se tornou moradia até que os bondes abriram caminho até a orla, chamada de Barra, onde os mais abastados construíram mansões e chácaras”, destacou Wilma Therezinha.

Comércio

Padarias, lojas de materiais de construção e outros comércios surgiram com o desenvolvimento da Cidade. E os portugueses, novamente, tiveram papel de destaque nessa expansão.

Pouco tempo depois, os naturais da Ilha da Madeira e de Açores (arquipélagos portugueses) buscaram cenários mais parecidos com a terra natal. Passaram a se estabelecer nos morros, principalmente na Nova Cintra e no São Bento.

“A cidade de Santos deve muito aos portugueses. Até 1950, era uma cidade praticamente portuguesa, uma espécie de colônia, por conta dos costumes e das pessoas. Essas pessoas foram casando e tendo filhos que foram educados e também constituíram família aqui”, destacou Maria Apparecida.

Na região, a busca por novas oportunidades
 
 Armindo chegou ao cais santista a bordo do Laennec
(Foto: Alexsander Ferraz/A Tribuna)

Devoto de Nossa Senhora de Fátima, Armindo Fraga acredita que, só com “um empurrãozinho de Deus”, as coisas deram certo e a vida lhe sorriu. Hoje, ele é responsável pelo sustento de, pelo menos, 100 famílias de seus funcionários em uma loja de autopeças, em São Vicente. Mas nada disso seria possível se, aos 19 anos, ele não tivesse largado a vida em Portugal e se arriscado para tentar a vida no Brasil.

“Minha mãe falava para que eu não ficasse lá. Naquela época, não haviam oportunidades e, hoje, eu realmente não me vejo lá. Eu tive a luz de embarcar e vim às escuras, sem saber o que ia acontecer”, conta o comerciante.

Foram 14 dias de viagem no navio Laennec, de bandeira francesa. A embarcação era mista e transportava cargas e passageiros. Segundo Fraga, eram cerca de seis pessoas por cabine. Todos dormiam em beliches.

Em 1955, ele chegou ao Porto de Santos sozinho. E foi em busca do amigo Manoel da Silva Neto, que havia enviado a carta de chamada. Naquela época, o documento era necessário para permitir a entrada de imigrantes no Brasil. Era uma espécie de termo de responsabilidade, já que apenas convidados eram autorizados a ficar no País.

O começo foi difícil. Fraga conseguiu um emprego em uma serraria e pouco tempo depois, seguiu para uma casa de ferragens. Mais tarde, passou a ser feirante e cinco anos depois se casou com Herminda, uma filha de portugueses com 18 anos.

“Foi um salto muito grande. Agradeci por chegar aqui. Paguei a minha dívida de viagem, comprei um apartamento e casei com uma esposa que está comigo há 57 anos. As coisas aconteceram e eu sou muito grato por estar no Brasil. Me emociono só de lembrar”, contou.

Em 1966, já com melhores condições financeiras, Fraga foi a Portugal com a esposa e dois filhos, Helena e José Roberto. Lá, teve a certeza de que seu lugar era o Brasil. No ano seguinte, abriu um posto de gasolina, que cresceu com a venda de peças e acessórios para carros e motos. Assim, a nasceu a Monumento Shopping Car, que funciona até hoje em São Vicente.

“A vida me sorriu. Tenho prazer do meu passado. Com trabalho duro, posso me considerar um vencedor. Em qualquer parte do mundo, quem trabalha, vence. Mas aqui eu tive oportunidade. Acho que Deus escreveu essa história antes”, destacou o imigrante português.

Última Viagem 
 
Maria da Conceição viajou com a mãe no Vera Cruz 
(Foto: Nirley Sena/A Tribuna)

A aposentada Maria da Conceição Souza Pinto tinha apenas quatro anos quando chegou ao Brasil. A viagem foi a bordo do navio Vera Cruz, que transportou milhares de portugueses para o País.

“Era pequena, mas me lembro que a minha mãe passou muito mal e perdeu quase 20 quilos durante a viagem. Ela não saia do quarto e quem cuidava de mim era uma vizinha de cabine”, contou.

As duas vieram a convite do pai de Maria, que era ensacador de café no cais santista e estava na Cidade há três anos. “Ele veio convidado por um tio, em busca de sonhos. Mas as coisas foram bem difíceis pra ele por aqui”, conta.

Aos nove anos, ela começou a fazer compras e vendas. E se estabeleceu no comércio por mais de 60 anos, na Zona Noroeste, em Santos. Daí, surgiu o apelido de Maria da Zona.

Ela casou-se com um português, que era engenheiro. Por conta da rotina corrida do comércio, nunca retornou a Portugal. O plano de toda a vida era voltar à terra natal após a aposentadoria, mas, ao ficar viúva, abandonou a ideia. “Preciso rever a terra e buscar as minhas raízes. Aqui, participo como posso, canto e danço em grupos. Tudo para ficar mais perto de Portugal”

In
http://www.atribuna.com.br/noticias/noticias-detalhe/porto



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