Os hospitais são um imenso planeta bacteriano

DO TEXTO:
Novo posto de enfermagem do hospital estudado. 
FACULTAD DE MEDICINA DE LA UNIVERSIDAD DE CHICAGO

Assim as bactérias colonizam um novo hospital

Os micróbios trazidos pelos pacientes ao serem internados tomam conta do quarto em apenas um dia

MIGUEL ÁNGEL CRIADO

Apesar da imagem asséptica, os hospitais são um imenso planeta bacteriano. Há países onde é mais fácil ter uma infecção no hospital do que na rua e não é preciso ir à África subsaariana. Nos EUA, por exemplo, acontece cerca de 1,7 milhão de infecções hospitalares em comparação com 1,5 milhão de casos relatados pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) fora deles..

Em 23 de fevereiro de 2013 foi inaugurado o novo pavilhão do hospital da Universidade de Chicago (EUA). Foi também a estreia oficial de uma pesquisa iniciada dois meses antes, quando as obras estavam na fase final. Trata-se do projeto Hospital Microbiome, uma ambiciosa tentativa de descobrir quais bactérias existem em um hospital, como chegam a ele, a evolução do ecossistema microbiano com o vaivém dos pacientes e a presença de patógenos resistentes. Alguns dos primeiros resultados, publicados agora, são surpreendentes.

“Cada paciente libera imediatamente 37 milhões de micróbios ao seu redor”, diz Jack Gilbert, chefe do grupo de ecologia microbiana do Laboratório Nacional Argonne, o principal centro público de pesquisa dos EUA. Este professor de cirurgia da Universidade de Chicago, juntamente com dez colegas, está por trás do projeto Hospital Microbiome. Eles tiveram a rara oportunidade de estudar o ecossistema do novo hospital desde o projeto. Durante a construção, instalaram sensores biológicos nas saídas de ar condicionado, sensores de umidade, temperatura e luz em cada quarto, sensores de proximidade nos quartos, sensores de pressão...

A primeira coisa que descobriram é que um hospital em obras não tem as mesmas bactérias que um hospital em operação. Conforme a publicação dos pesquisadores na revista Science Translational Medicine, foram encontrados dois gêneros bacterianos predominantes, Acinetobacter e Pseudomonas, nas amostras obtidas antes da abertura. Mas o cenário mudou depois da inauguração. Aquela flora foi rapidamente substituída por bactérias de gêneros como Corynebacterium, Staphylococcus e Streptococcus, todas muito abundantes na pele humana.

Das 10.000 amostras colhidas nos 10 meses posteriores à abertura do hospital, foram encontradas bactérias em 6.500. Nos 10 quartos estudados, os pontos com maior abundância e diversidade de bactérias foram, além dos próprios humanos, as grades das camas e as torneiras dos banheiros. Nos postos de enfermagem, o balcão, os braços das cadeiras e o mouse dos computadores se destacaram como abrigos de vida microbiana. E isso que são pontos cuidadosamente limpos com água sanitária e amoníaco todos os dias.

Um dos dados mais relevantes do trabalho é a preponderância da flora microbiana humana em relação à ambiental. Na admissão, o paciente recebe uma enxurrada de bactérias presentes no chão e nas paredes do quarto e as amostras de sua pele, nariz e axilas confirmam uma espécie de invasão bacteriana. “No segundo dia da internação, a via de transmissão microbiana se inverte. Em 24 horas o microbioma do paciente toma conta do espaço hospitalar”, comenta Gilbert.

Mapa mostrando a rede de bactérias (cada nó, um tipo) colhidas do chão antes (em azul) e depois da abertura (em vermelho) do hospital.


Outro dado do estudo é que, apesar dos aventais brancos (ou talvez por causa deles), “o pessoal médico transfere mais micróbios ao paciente do que ao contrário”, diz o microbiologista norte-americano. “A maioria usa luvas e máscaras, mas introduz os micróbios nos quartos em suas roupas, e daí à pele exposta, e esses microrganismos podem colonizar um paciente”, acrescenta. Em 2015, um relatório sobre hospitais espanhóis revelou que os aventais e uniformes do pessoal médico poderiam portar até 80 tipos de bactérias diferentes.

Felizmente, a imensa maioria dessas bactérias é benigna, são comensais que vivem no corpo humano sem prejudicar seu hospedeiro ou são diretamente benéficas para sua saúde. Mas o estudo no novo hospital da Universidade de Chicago mostra também um dado potencialmente perigoso: ao longo do tempo, podem surgir cepas bacterianas resistentes. De fato, os pesquisadores verificaram um aumento significativo de genes que expressam resistência a antibióticos nas amostras colhidas à medida que passavam os dias. É como se o ambiente hospitalar favorecesse, em uma espécie de seleção artificial, as cepas mais bem adaptadas.






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