Angela Maria e as canções de Roberto Carlos e Erasmo Carlos

DO TEXTO:

Angela realimenta a carga emocional de dez canções de Roberto e Erasmo

Há um fio resistente, de alta carga emocional, que liga o repertório e a voz de Angela Maria ao cancioneiro de Roberto Carlos & Erasmo Carlos. É nesse fio, por onde passam emoções básicas da alma do povo brasileiro, que se escora o álbum em que a cantora fluminense, de recém-completados 88 anos, dá voz a dez canções desses compositores que traduziram em músicas as emoções humanas. A voz, se comparada com os trinados da Sapoti na década de 1950, eventualmente pode parecer que está por um fio, mas se adequa com elegância à linha melódica dessa canções enraizadas na memória afetiva de quem viveu no Brasil nos anos 1960 e 1970, décadas do auge artístico da parceria dos compositores.

Álbum produzido (com esmero) por Thiago Marques Luiz e lançado pela gravadora Biscoito Fino neste mês de maio de 2017, Angela Maria e as canções de Roberto & Erasmo não cabe em definições e rótulos justamente por conta dessa corrente afetiva embutida nas dez músicas. Angela é cantora com (autor)idade para cantar versos como "Você é mesmo essa mecha / De branco nos meus cabelos", extraídos da letra de Desabafo (1979). Até porque as dores e os dramas de amores do cancioneiro propagado na voz de Roberto são, em essência, a mesma matéria-prima do folhetinesco repertório da Sapoti na década de 1950, quando Angela gravava boleros e sambas-canção nem sempre à altura da lapidar voz de mezzo-soprano, polida no púlpito sagrado de igreja e nos profanos dancings antes de ser ouvida nos discos (a partir de 1951) e nos auditórios das emissoras de rádios.

Nos graves tons outonais da presente estação, Angela valoriza os versos das dez canções escolhidas com o aval do Rei. A lágrima na voz cai ao fim de Eu disse adeus (1969) em gravação na qual a intérprete canta acompanhada pelo toque da guitarra de Rovilson Pascoal, arranjador de quatro das dez faixas deste disco pontuado por cordas e metais orquestrados à moda clássica, como convém a uma dama da canção. Ao harmonizar violão e sutis programações com o toque do violoncelo de Jonas Moncaio em Você em minha vida (1976), Rovilson entende que o canto de Angela é pautado na canção mais pela ternura resignada do que pela impetuosidade da gravação original de Roberto.

O mesmo Rovilson Pascoal esboça clima bluesy no toque inicial da guitarra que conduz Sua estupidez (1969) em gravação em que os metais orquestrados por Billy Magno evocam o soul embutido na obra de Roberto no antológico álbum lançado pelo Rei em 1969. Única música do disco mais associada ao canto de Erasmo do que à voz de Roberto, Sentado à beira do meu caminho (1969) tem inclusão justificada no repertório porque a canção – com o qual o Tremendão voltou a trilhar a estrada do sucesso após período de indefinições resultantes do fim da Jovem Guarda – fez parte do roteiro de obscuro show feito por Angela com Erasmo em 1970 e (inacreditavelmente) intitulado A melhor e o pior (como informa o jornalista Renato Vieira em texto escrito para a edição em CD do álbum). De todo modo, o harmonioso dueto da Sapoti com o Tremendão é um dos pontos mais altos do disco, pela elegância e sintonia do canto dos artistas e pelo arranjo urdido com cordas e metais.

Outro ponto alto é o registro abolerado de Não se esqueça de mim (1977), bela canção da qual Roberto quase nunca lembra, mas que está na memória de cantoras como Nana Caymmi. Lembrança oportuna também é a canção Despedida (1974), veículo ideal para a exposição do canto lacrimoso de Angela. No toque do piano, Billy Magno parece salpicar notas pelo caminho seguido pela personagem que parte após dizer adeus em gravação que reitera o talento de Rovilson Pascoal como arranjador polivante, hábil tanto nos discos de moldura mais tradicional (como este tributo de Angela ao cancioneiro de Roberto e Erasmo) como nos álbuns de arquitetura mais roqueira e experimental.

Pontuada por metais de inspiração sinatriana, a nostálgica canção Jovens tardes de domingo (1977) poderia em tese soar inapropriada na voz de Sapoti por ter sido composta para evocar a era da Jovem Guarda que projetou e consolidou as trajetórias de Roberto e Erasmo no universo pop brasileiro. Contudo, a canção se ajusta à voz de Angela e acaba soando como a exposição da saudade de cantora que também tem nostalgia da própria modernidade e da juventude de tempos idos.

Com arranjo que celebra a gravação original de Roberto Carlos, O show já terminou (1973) prepara o clima de despedida do disco encerrado com dueto póstumo de Angela com Cauby Peixoto (1931–2016), cantor fluminense que também sintonizou o Brasil pela voz memorável. A gravação feita em 2013 para Reencontro (2013), último álbum gravado por Angela com Cauby, ressurge em take alternativo, com novo arranjo e pompa, neste Angela Maria e as canções de Roberto & Erasmo, disco com doces recordações de canções que falam de amor da forma simples, direta e tocante que entronizou Roberto Carlos na memória nacional.

Rainha da era do rádio, Angela Maria realimenta neste disco a alta carga emocional dessas canções que, em ligação direta com o canto popular da Sapoti, se conectam (novamente) à alma do Brasil pelo tal fio resistente. (Cotação: * * * * )

(Crédito da imagem: capa do álbum Angela Maria e as canções de Roberto & Erasmo. Projeto gráfico de Antonia Ratto. Foto de Murilo Alvesso)

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1 Comentários

Comentários

  1. Gostei muito de ler e relerei. Sempre gostei tanto da Diva, Angela Maria e cantando dos compositores Roberto e Erasmo Carlos é divinal. Só me resta agora ir ouvi-los. Obrigada a todos os que participam e divulgam, D

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