Reconhece este artista? Sim, é o do Calhambeque

DO TEXTO: Roberto Carlos actuou pela primeira vez em Portugal a 22 Junho de 1981, no Estádio de Alvalade.
Anda há mais de 50 anos a cantar e a somar êxitos. O cantor brasileiro celebrou o seu aniversário na quarta-feira, 19 de Abril, com um concerto no MEO Arena, em Lisboa. Esta sexta-feira, 21, volta ao mesmo local

Por:  Sónia Bento

Anda há mais de 50 anos a cantar e a somar êxitos. O cantor brasileiro celebrou o seu aniversário na quarta-feira, 19 de Abril, com um concerto no MEO Arena, em Lisboa. Esta sexta-feira, 21, volta ao mesmo local

Roberto Carlos actuou pela primeira vez em Portugal a 22 Junho de 1981, no Estádio de Alvalade. Quem o trouxe foi Mário Assis Ferreira, presidente do conselho de administração da Estoril-Sol, que tinha feito amizade com ele na época em que viveu no Brasil, logo a seguir ao 25 de Abril. 

Depois disso, o cantor deu três espectáculos no Casino do Estoril e no da Póvoa, em 1989, 1997 e 2004. A quinta e última vez foi já no Pavilhão Atlântico, agora Meo Arena, em 2006.

No Brasil, Roberto Carlos é um mito. Só é visto nos concertos, nos especiais de fim de ano da Rede Globo ou no programa de Jô Soares, e não dá entrevistas – há jornalistas em fila de espera há 15 anos. 

Facturou 17 milhões de euros no último ano, tem um património avaliado em 532 milhões, colecciona carros de luxo, tem um iate, viaja no seu próprio jacto (que mandou pintar de azul) e mora num edifício na Urca, na zona sul do Rio de Janeiro. É costume os fãs irem lá homenageá-lo, como acontece nos seus aniversários, e o cantor vem sempre à varanda para os saudar.

Não sai à rua há mais de 40 anos

Há mais de quatro décadas que deixou de andar na rua, por causa do assédio, mas confessa que muitas vezes tem vontade de "bater um papo e tomar uma cerveja na esquina".

Passear na rua só no estrangeiro. Mas apesar de todas as suas manias Roberto Carlos é descrito como simples e afável. 

Durante algum tempo, até lhe ter sido diagnosticado TOC, em 2002, o próprio cantor confundiu essas manias com superstições. Por causa deste distúrbio psiquiátrico, ele não pronuncia palavras como "azar", "mal" ou "desgraça" e chegou mesmo a tirar do repertório músicas, como Quero Que Vá Tudo para o Inferno e outras que falam de maldade ou de mentira. 

"Um dia estava a conversar com um amigo e ele disse uma palavra que eu não
usava há mais de 40 anos, aí cada vez que ele a dizia, eu cuspia. Aí disse para ele, 'bicho, pára de falar essa palavra senão vou ficar desidratado'", contou Roberto Carlos, divertido, no programa de Jô Soares.

Entrar e sair pela mesma porta

A lista das manias do cantor é interminável: não passa por debaixo de uma escada; nunca assina documentos na Lua minguante; não desenha uma seta de cabeça para baixo; não rebobina fitas no gravador; não grava discos ou inicia tournée sem Agosto, nem usa cores como encarnado, preto ou roxo. Só branco e azul. 

A cantora portuguesa Dora – que durante a década de 90 viveu no Brasil e frequentou a casa do cantor, num período em que deu aulas de inglês à mulher dele, Maria Rita – conta que lhe impuseram que vestisse umas calças de ganga azuis e uma T-shirt amarela ou branca: 

"Na casa deles, tudo era branco e azul, dos móveis às carpetes. Lembro-me de um dia me ter cruzado com o Roberto Carlos, que passou por nós, disse bom dia e foi para o jardim mimar as suas plantas", contou à SÁBADO.

Por sentir que o 13 não lhe traz sorte, o cantor recusa-se a sentar-se na cadeira 13 de um avião, não anda num carro que tenha aquele número na matrícula, nem gosta de estar num grupo de 13 pessoas. 

O "seu" número é o 5. Outra das manias é sair sempre pela porta por onde entrou, e por isso já enfrentou situações caricatas: 

"No tempo em que eu era fanático pela religião católica, estive em Los Angeles e, aos domingos, ia à  missa numa igreja perto do hotel. Depois da missa, ficava sempre mais um bocado a rezar. 

Um dia, um cara fechou a porta por onde eu tinha entrado e fiquei aflito porque tinha de sair por aquela porta, por causa do TOC. Pedi para ele me abrir a porta, mas o cara disse que não abria porque havia outra porta para sair. 

Eu expliquei que era supersticioso, falando no meu inglês de cais do porto. Insisti que tinha que sair pela mesma porta e o cara ameaçou chamar a polícia. 

Ele não abriu. Na missa do domingo seguinte, entrei pela porta que tinha que
sair e saí pela porta por onde tinha de entrar", contou no programa de Jô Soares, salientando que o TOC é um sofrimento, mas que melhorou bastante graças à terapia.

Das três vezes que o Rei actuou no Casino Estoril, Mário Assis Ferreira recorda que as exigências dele foram só com as cores do camarim, que tinha de ter as paredes forradas de branco. 

"Ele não podia ter um vinco nas calças, mas como se ajoelhava para rezar antes de entrar em palco, ficava inevitavelmente com vincos, o que o deixava muito incomodado", conta. 

A vida de um dos homens mais idolatrados no Brasil, que em tempos foi um católico fervoroso, tem sido marcada pela tragédia. Nascido em Cachoeiro do Itapemirim, no estado do Espírito Santo, Roberto Carlos Braga foi o quarto e último filho de um relojoeiro e de uma costureira, que ficou conhecida como Lady Laura por causa da música que o cantor lhe dedicou.

A perna amputada aos 6 anos

O primeiro episódio dramático viveu-o aos 6 anos, quando no dia da festa de São Pedro, o padroeiro da sua cidade, sofreu um acidente que lhe provocou a amputação da perna direita, que o faz usar uma prótese até hoje. 

Como o cantor nunca falou sobre esse assunto, existem diversas versões. No livro Roberto Carlos em Detalhes, Paulo Cesar de Araújo diz que o acidente aconteceu quando Roberto assistia a um desfile perto do caminho de ferro. Uma professora terá chamado a atenção das crianças para que se afastassem dos trilhos, mas o grito assustou Roberto, que caiu e ficou com a perna esmagada pelo comboio.

A mãe foi quem lhe deu as primeiras noções musicais e o ensinou a tocar viola e piano, apesar de o miúdo sonhar ser arquitecto. Na adolescência, mudou-se para o Rio de Janeiro. Na década de 60, ele, Erasmo Carlos e Wanderléa fizeram um programa na TV Record, chamado Jovem Guarda, que teve imenso sucesso e deu o nome ao primeiro movimento de rockbrasileiro.

Em 1965, Roberto ganhou o título de "rei da juventude", no programa do Chacrinha. Em 1968, casou-se com Cleonice Rossi, divorcia da e mãe de uma rapariga, Ana Paula, que o cantor registou como sua filha. 

Um ano depois, Cleonice deu à luz Roberto Carlos Segundo, conhecido como Dudu, que nasceu comglaucoma. Apesar de muitas cirurgias, a criança só recuperou uma pequena parte da visão. Luciana, a segunda filha do casal, nascia em 1971, e em 1979 o primeiro casamento do cantor acabava.

A fé e as perdas que sofreu

O ídolo da música romântica não ficaria solteiro por muito tempo e assumiu logo a seguir o romance com a actriz da Globo Myrian Rios. São desse período algumas das suas composições mais românticas, como Tudo Pára, Cama e Mesa ou Amante à Moda Antiga. Foram casados 11 anos. 

Em em 1990, Cleonice morreu na sequência de cancro na mama. Nesse ano, Roberto recebeu a notíciada morte de Maria Lucila Torres, com quem tinha tido um breve romance, na década de 60, vítima da mesma doença. 

Dessa relação nasceu Rafael, cuja paternidade a mãe tentou esconder por vergonha, e que o cantor reconheceu um ano antes da morte dela. 

Em 1991, começou a namorar com Maria Rita, que havia sido colega de escola da enteada Ana Paula e que tinha um amor platónico pelo Rei. 

Em 1996 casaram-se e, dois anos mais tarde, foi-lhe diagnosticado a ela um cancro na zona pélvica. Durante esse período, o artista exibiu a sua fé de forma exacerbada. 

O quarto de Maria Rita, no hospital, mais parecia uma capela – junto à cama dela, Roberto improvisou um altar cheio de santos e crucifixos. Ela acabou por morrer em Dezembro de 1999.

Depois de uma breve pausa na carreira, o cantor voltou com o álbum Amor sem Limite, em homenagem a Maria Rita. Mas este não foi o último golpe sofrido pelo Rei. 

Depois de ter sepultado a mãe, Lady Laura, no dia em que fez 69 anos, em 2010, no ano seguinte Ana Paula, a filha adoptiva, morreu subitamente, aos 45 anos. A partir de então, o cantor – que compôs muitos temas religiosos, como Jesus Cristo, Nossa Senhora, Aleluia ou Luz Divina – começou a pôr em causa a sua fé. "Sou religioso. Talvez não seja tão praticante. Continuo católico. Só que hoje, sem culpas, consigo questionar certas coisas da minha religião", confessou.

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Artigo publicado originalmente na edição 575 da SÁBADO, de 7 a 13 de Maio de 2015



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