“Eugênia”: O que a amante de D. João VI tem a dizer para a mulher do século XXI

DO TEXTO:

A atriz Gisela de Castro estrela o monólogo em que fatos trágicos ganharam contornos de ironia e humor

A quinta temporada da peça será em março, no Espaço Furnas Cultural, com entrada franca

 
Alba Bittencourt
Portal Splish Splash


Nestes tempos em que as mulheres ainda sofrem preconceitos e são condenadas quando vítimas, nada mais apropriado do que refletir sobre o papel delas na história. Apropriado e, ao mesmo tempo, divertido, se a interpretação for da atriz Gisela de Castro no monólogo “Eugênia”, dirigido por Sidnei Cruz. O espetáculo volta para sua quinta temporada, desta vez no Espaço Furnas Cultural, em Botafogo, nos dias 18, 19, 25 e 26 de marçosábados às 20h e domingos às 19h –, com ingressos gratuitos e distribuição de senhas a partir de uma hora antes do espetáculo.

A peça parte do texto de Miriam Halfim, que pesquisou a história da personagem-título e do contexto político e social da época. Eugênia José de Menezes, filha do governador de Minas Gerais, teve um romance com Dom João VI, engravidou e foi expulsa da Corte, sendo exilada num convento. Conhecido por seu desleixo corporal e apetite voraz para devorar um frango assado inteiro, o Príncipe Regente de Portugal gravou seu nome na história ora como covarde e preguiçoso, ora como um generoso monarca. Mas se o texto partiu de ampla pesquisa histórica, foi ganhando vida graças à afinação entre Gisela e Sidnei, que já haviam trabalhado juntos anteriormente. O resultado da sintonia entre atriz e diretor é um texto rico em humor e ironia, experimental e coletivo, com muito potencial performático, que diverte e faz pensar ao mesmo tempo. A história real vira, na peça, uma saga recheada de sedução, com espírito de aventura, cuja discussão perpassa tanto pelo trágico como pelo cômico.

“Quando recebi o convite para fazer Eugênia, pensei: qual a relevância de falar da amante do rei português no século XIX? Ao conhecer a história, vi o quão urgente era contá-la hoje, século XXI, em que mulheres – executivas, professoras, negras, feministas, prostitutas, cientistas, trans, latino-americanas, lésbicas, de burca, tanga ou hábito – ainda precisam clamar por direitos. Veio o roteiro e o texto foi ganhando a embocadura da atriz, a costura do diretor, dos ensaios para a cena”, conta Gisela.

O crítico teatral Renato Mello, em coluna no site Botequim Cultural, elogiou a montagem: “Sidnei Cruz realizou um trabalho milimétrico com Gisela de Castro e tem todos os méritos de levá-la ao ambiente correto, sabendo alterar nos momentos propícios o ritmo e a tonalidade empenhada. (...) A ideia extremamente engenhosa de uma tumba, de onde emergem inúmeras caixas carregadas de metáforas, tem o poder de transformar em diferentes elementos a ambientação e fazem uma bela composição, resultando em determinados momentos num interessante impacto visual”.

Com indicações em vários prêmios – melhor atriz no voto popular do site Botequim Cultural de Teatro, melhor figurino no Shell e melhor cenário no Cesgranrio –, “Eugênia” vem de bem-sucedidas temporadas: no Teatro Maria Clara Machado do Planetário da Gávea; no Teatro Eva Herz da Livraria Cultura, no Centro; no teatro Glaucio Gill, em Copacabana; e no Espaço Cultural Municipal Sérgio Porto, no Humaitá.

Para Gisela de Castro, é muito bom poder se apresentar com ingressos gratuitos porque favorece a formação de novos públicos para o teatro. Quanto a encenar tantas vezes o mesmo espetáculo, em temporadas intercaladas e locais diferentes, a atriz só tem motivos para ficar ainda mais animada ao mesmo tempo que se sente desafiada: “Apresentar muitas vezes uma peça é ótimo, ganha muito na relação com a plateia, no jogo, na descontração... Além disso, o momento político, infelizmente ruim, favorece as piadas. E como o domínio de cena fica melhor com o tempo e favorece o improviso, fico mais liberada para interagir mais com o público. O desafio é manter o frescor do texto e a energia em cena”.

Gisela, Eugênia e as mulheres do século XXI

A personagem de Gisela, Eugênia, emerge do mundo dos mortos para contar sua versão dos fatos históricos, revelando os meandros da nobreza, as farsas dos governantes e as artimanhas para abafar um escândalo real: do romance entre a jovem e o príncipe, nasce uma bastarda, que vive por vários anos no claustro de um convento distante.

A peça pretende discutir o papel da mulher na formação da identidade brasileira, levantando questões de gênero ao longo da história, mas lançando um olhar contemporâneo sobre a mulher do final do século XVIII e início do XIX. Quem foi Eugênia – bela, sedutora, amada, usada, grávida, confinada em um convento? O intuito é revelar o feminino oculto e velado dentro de uma sociedade machista. O que significava/significa ser esposa, amante, concubina, mãe, freira, escrava, prostituta, bastarda? O Brasil é uma nação de bastardos? A ideia é revelar ao público a história inédita dessa mulher – cujo enredo conta muito da história do Brasil, vista por de trás dos panos.

O tema em torno do papel da mulher na sociedade brasileira é atual. “Hoje, mesmo com testes de DNA, muitas mulheres engravidam e cuidam dos filhos sozinhas, seja por opção ou simplesmente porque o pai some, não assume responsabilidade alguma. A sociedade evoluiu em muitos aspectos, mas certas situações se repetem. Para evitar problemas com o governo e com a corte portuguesa, Eugênia foi exilada sem qualquer direito. Aliás, esse é um dos poucos documentos que existem: um alvará assinado pelo próprio D. João VI, em que ele condena a amante a um êxodo trágico, humilhada perante a sociedade. Nós convivemos com coisas assim todos os dias: mulheres apedrejadas, estupradas, ainda tendo que lutar por direitos, por autonomia, por sua sexualidade, em pleno século XXI!”, reverbera Gisela.

CURRÍCULOS:

A atriz – Gisela de Castro é atriz profissional desde 1999 e trabalhou com os diretores Márcio Vianna, Domingos Oliveira, Diego Molina, Michel Bercovitch, Paulo Hamilton, Antonio Quinet, Gilberto Gawronski, Moacir Chaves, Bianca Byington e Luís Igreja.  Entre os trabalhos realizados, estão “As três irmãs”, de Tchekhov (dirigido por Morena Cattoni), “Os Sapos” (com texto e direção de Renata Mizrahi), “Sarau das putas” (com dramaturgia e direção de Ivan Sugahara) e “Linha reta e linha curva”, de Machado de Assis (direção Dudu Sandroni).  Entre os infantis, destacam-se “Joaquim e as estrelas”, de Renata Mizrahi, onde fez a  produção e codirigiu com Diego Molina e “Bisa Bia, Bisa Bel”, de Ana Maria Machado – nove indicações e vencedor de sete prêmios.

No cinema, atuou nos longas "Quase dois irmãos", de Lúcia Murat, e "Mulheres do Brasil", de Malu de Martino.  Como produtora, assinou a produção e codirigiu "O pequenino grão de areia" de João Falcão – Prêmio Zylka Sallaberry de melhor espetáculo de 2006 – e “Procura-se Hugo”, de Diléa Frate, com a Companhia do Gesto.

Assinou a assistência de direção e produção de 2 importantes espetáculos: A Lua Vem da Ásia, de Campos de Carvalho, no CCBB do RJ, SP e Brasília, e o Repertório Bacri-Jaoui, dirigido e estrelado por Bianca Byington.

Como roteirista foi contemplada com nota máxima no edital do Fundo Setorial do Audiovisual FSA/Ancine para desenvolver uma série de humor sobre divulgação científica para jovens chamada “Calma! Tem explicação!”.

O diretor – Sidnei Cruz é dramaturgo, diretor, gestor cultural e, atualmente, gerente de Cultura da Escola Sesc. Criador dos projetos Palco Giratório – Rede Sesc de intercâmbio e difusão das Artes Cênicas e Dramaturgia e mestre em Bens Culturais e Projetos Sociais –, ele publicou o livro "Palco Giratório, uma difusão caleidoscópica do teatro" e ainda realizou, no Sesc/DN, interlocuções para o programa de TV "conversa sobre as artes" com vários artistas. Suas mais recentes encenações são: "Relicário" e "Beco do Bandeira" (com o Bando Filhotes de Leão), "O samba carioca de Wilson Baptista", "O Auto da Compadecida" (com a Cia Limite 151), além da supervisão cênica de "Chico Prego" (com o grupo Makuamba-ES).

FICHA TÉCNICA:

Texto - Miriam Halfim
Direção - Sidnei Cruz
Interpretação - Gisela de Castro
Direção musical, composição e execução - Beto Lemos
Cenário - José Dias
Figurino, adereços e design de aparência - Samuel Abrantes
Iluminação - Aurélio de Simoni
Direção de Produção - Maria Alice Silvério
Assistente de Direção - Viviane Soledade
Assistentes de Produção - George Luis Prata
Assistente de Figurino - Rosa Ebee
Preparação Corporal - Morena Cattoni
Preparação Vocal - Verônica Machado
Fotos e Programação Visual - Thiago Sacramento

SERVIÇO:

“Eugênia”
Temporada de 18, 19, 25 e 26 de março de 2017
Sábados às 20h e domingos às 19h
Espaço Furnas Cultural

Endereço: Rua Real Grandeza 219 – Botafogo - Rio de Janeiro - RJ, 22261-001
Telefone:(21) 2528-3112
Ingressos: ENTRADA FRANCA
Senhas distribuídas uma hora antes do espetáculo.
Duração: 55 min
Classificação: 10 anos
Gênero: Comédia

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