Lisboa influencia arquitetura de Carrilho da Graça, alvo de mostra

DO TEXTO:
Escola de Música, obra de João Luís Carrilho da Graça, em Lisboa
Silas Marti
De São Paulo

Na visão de João Luís Carrilho da Graça, Lisboa vista do alto é quase uma abstração. Toda branca, uma enorme maquete do relevo da cidade domina a maior sala da mostra dedicada à obra do arquiteto português agora no Museu da Casa Brasileira.

Os imaculados vales e montes do modelo topográfico, como se reduzidos à essência dos volumes e descolados da realidade, parecem reafirmar que tudo construído pelo autor está enraizado no território de contrastes do lugar onde vive.

Mas, ao contrário dos acidentes dramáticos do terreno da capital portuguesa, uma paisagem que Carrilho da Graça chama de "barroca", suas construções são cubos e retângulos minimalistas. Parecem caixotes longilíneos que flutuam sobre o horizonte, reforçando com ângulos retos as linhas sinuosas de morros, encostas e as margens do Tejo.

Pavilhão do Conhecimento dos Mares, obra de João Luís Carrilho da Graça, em Lisboa

"Tudo isso funciona como estrutura de suporte, é o território, que tem formas arredondadas e complexas", diz Carrilho da Graça. "Mas o interessante é fazer coisas simples, elementares, o que dá essa ideia de não tocar no chão, um efeito de suspensão, que é o que eu chamo de fantasia."

O descompasso entre o terreno de contornos trepidantes e as formas rígidas imaginadas pelo arquiteto acabou se tornando uma marca de sua estratégia. Mesmo de aspecto dócil, suas construções travam uma relação ambígua com o entorno, como se atacassem para depois ocupar o espaço.

Esse ataque, aliás, é sempre aéreo. "Desde os primórdios, em termos de caça ou de guerra, o homem percorre o território pelas linhas altas de seu relevo", diz o arquiteto. "No território de Lisboa, uso essas linhas que dão a sensação de dominarmos todos os lados, que passam uma segurança."

Também dão leveza. Mínimos, seus desenhos acabam recuando diante do espaço ao redor, muitas vezes emoldurando a paisagem natural ou se curvando diante das construções da cidade histórica.

Nesse sentido, a obra de Carrilho da Graça está em sintonia com a de outros mestres portugueses, como Álvaro Siza e Eduardo Souto de Moura, que venceram o Pritzker, maior prêmio mundial da arquitetura, em grande parte pelo redesenho urbano sutil e minimalista que fizeram do Porto.

GALERIAS ÀS AVESSAS

Seu terminal de cruzeiros, ainda em obras, e a Escola de Música, em Lisboa, além da igreja de Santo Antônio, em sua Portalegre natal, operam menos como presenças estanques na malha urbana e mais como requadros da paisagem, destacando a irregularidade sedutora das construções históricas ao redor.

O uso obsessivo do branco, aliás, reforça essa sensação, como se Carrilho da Graça construísse galerias de arte às avessas -em vez de cubos brancos isolados, seus prédios são braços, torres e passarelas criados para destacar a beleza acidental da paisagem.

Talvez por essa ligação umbilical com o relevo português, seus prédios de óbvia extração modernista, reverentes ao futurismo hoje clássico de Le Corbusier, não funcionariam em qualquer outro ambiente.

Sem o jogo de contrastes entre essa sua abstração esbranquiçada e o barroquismo de Lisboa, seus projetos arriscariam desaparecer na esterilidade das metrópoles globalizadas. Isso leva a entender por que, no lugar de qualquer projeto seu construído ou só imaginado, Carrilho da Graça tenha destacado na mostra visões da capital portuguesa em primeiríssimo plano.

"Essa maneira como se olha a cidade antiga é característica da arquitetura portuguesa", diz o arquiteto. "Lisboa foi construída com regras práticas e diretas. Conhecer a história da cidade é o que nos permite ser mais afirmativos."

JOÃO LUÍS CARRILHO DA GRAÇA
QUANDO abre nesta quarta (1º), às 19h30; de ter. a dom., 10h às 18h; até 19/3
ONDE Museu da Casa Brasileira, av. Brig. Faria Lima, 2.705, tel. (11) 3032-3727
QUANTO R$ 8 

In:http://www1.folha.uol.com.br
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