Tradição e história das uvas se unem para agradar aos paladares

DO TEXTO:

Em Jundiaí, passeio pela Rota da Uva termina na barraca Por Falar em Uva - Frutas da Época 

 
Daniela Jacinto

Tradicionalmente, janeiro é o mês que as uvas terminam seu processo de amadurecimento e estão prontas para serem colhidas. O cultivo da videira, vinha ou parreira, que dá origem às uvas, é uma das atividades mais antigas da civilização. Na Bíblia, as uvas são mencionadas pela primeira vez quando Noé as cultiva em sua fazenda. Elas também foram significativas para gregos e romanos, sendo que o deus da agricultura, Dionísio, estava ligado às uvas e ao vinho. Essa fruta é ainda especialmente simbólica para os cristãos, que desde o início da Igreja fazem uso do vinho na celebração da Eucaristia.

No Brasil, o cultivo da videira começou em 1535, na Capitania de São Vicente, trazida pelos portugueses. A imigração italiana em São Paulo e na Região Sul do Brasil no final do século 19 deu um grande impulso à cultura. São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Pernambuco e Bahia são grandes produtores. Entre as cidades de São Paulo que mais atraem turistas por causa dessa fruta estão Jundiaí e São Roque, a 38 quilômetros de Sorocaba. As principais variedades cultivadas nas terras são-roquenses são Lorena e Niágara (nas variedades branca, rosada e violeta).

No Brasil, o cultivo da videira começou em 1535, na Capitania de São Vicente, 
trazida pelos portugueses - ROBSON SOJO

O período de colheita da uva das videiras de São Roque começou no sábado passado, dia 14, na Quinta do Olivardo, e segue nesse estabelecimento nos próximos dias 21 e 28 deste mês, sempre às 10h30.

Na Quinta do Olivardo, os visitantes fazem uma viagem ao passado rumo a um tempo em que, em terras lusitanas, a produção de vinhos era totalmente artesanal. Logo na entrada, recebem um chapéu de palha, uma cesta de vime e uma tesoura e, assim como os antigos colonos, são convidados a percorrer os caminhos entre as videiras para colher e, é claro, provar os frutos.

Olivador (de óculos) recebe o público na atividade mais esperada: a pisa - ROBSON SOJO

Ao final da colheita, os turistas partem para o lagar -- uma construção feita em pedras, com formato retangular, usada para separar a polpa das cascas dos frutos, usando apenas os pés -- para a atividade mais esperada do dia: a pisa. A experiência é acompanhada por música, feita por um grupo folclórico que relembra os principais clássicos que agitavam a pisa no século passado.


Após a pisa, vem um almoço especial. Para a entrada, são servidos Bolo do Caco -- um tipo de pão preparado à base de batata doce --, bolinho de bacalhau e salada verde. Para o prato principal, a casa serve um dos seus destaques: a Espetada Madeirense. A iguaria, preparada à base de pedaços fartos de contrafilé, temperados com alho, sal e especiarias, é assada em brasa.

A Espetada Madeirense da Quinta do Olivardo foi premiada no Festival Gastronômico Sabor de São Paulo e está entre os 30 melhores pratos característicos da culinária regional paulista. O prato integrou ainda o guia Roteiros Paulistas -- o que fazer durante a Copa do Mundo Fifa 2014.

Vendedor de histórias

 
Para o empresário Olivardo Saqui, o principal é resgatar as tradições e convidar o público a fazer parte disso. "Meu foco é vender história", diz. Olivardo tem realizado um trabalho de preservação da cultura portuguesa, especialmente da região da Ilha da Madeira. Vestido como um típico colono português, ele recepciona os clientes e comanda o evento. O restaurante também promove, além da pisa, a festa de São Martinho e a cerimônia de desenterro do "vinho dos mortos".

Essa tradição, conta Olivardo, surgiu em Portugal, no ano de 1807, durante a Guerra Peninsular. Após a invasão das tropas francesas, as vilas começaram a ser saqueadas. Tentando impedir que levassem os vinhos, os colonos enterraram suas garrafas entre as pastagens, plantações de uva e debaixo das adegas e fugiram para salvar suas famílias. Quando a guerra terminou e eles puderam voltar para casa se surpreenderam com o que encontraram: ao desenterrarem as garrafas, esperavam que a bebida estivesse estragada. Porém, o enterro das bebidas deixou o vinho ainda mais saboroso, pois a terra possibilitou que as garrafas ficassem em um ambiente perfeito: escuro e com temperatura constante. Essa história é relembrada e vivenciada todo o terceiro sábado de cada mês na Quinta do Olivardo.


O turista é convidado a enterrar uma garrafa numerada e depois de seis meses ele pode voltar, abrir as covas e desenterrar sua garrafa, degustando a iguaria. "É uma noite mágica. Deixamos a casa iluminada apenas com velas e tochas para deixar o ambiente semelhante ao período de 1807 e, ao som dos tradicionais fados portugueses, interpretados em voz, violão e guitarra portuguesa, conduzimos os turistas entre nossos parreirais que ladeiam a propriedade para enterrar ou desenterrar o vinho. É uma experiência única", frisa.

O trabalho desenvolvido pelo empresário em prol da cultura portuguesa foi reconhecido pelo Conselho da Comunidade Luso-Brasileira de São Paulo. A Quinta do Olivardo cultiva hoje mais de 8 mil pés de uvas que ladeiam o restaurante. A produção anual da casa é de, aproximadamente, 20 mil litros por ano.

A Adega e Restaurante Quinta do Olivardo está localizada no km 4 da Estrada do Vinho, em São Roque, com acesso pelo km 58,5 da rodovia Raposo Tavares (SP-270). As reservas de mesas têm validade até as 13h e podem ser feitas pelos telefones: (11) 4711-1100 e 4711-1923. Valor: R$ 198, incluindo o almoço. Crianças até 8 anos não pagam. Até 12 anos, pagam meia. Mais informações: www.quintadoolivardo.com.br.

 
Culinária portuguesa


A gastronomia da Quinta do Olivardo merece destaque. Resgata receitas portuguesas seculares, que compõem o ranking das 10 maravilhas da culinária lusitana, como a Espetada Madeirense; o leitão à Bairrada, considerado uma das sete maravilhas da gastronomia lusitana; os famosos bacalhaus, preparados com postas especialmente selecionadas; além do conhecido bolinho de bacalhau.

 A casa também é especializada em doces portugueses, como os famosos pastéis de nata, produzidos e assados na frente do cliente. Os doces saem quente das fornadas e podem ser apreciados acompanhados de um café caipira, feito no fogão à lenha e coador de pano. Outros destaques são as tradicionais rabanadas portuguesas, acompanhadas de calda de vinho, pastéis de Santa Clara, entre outros.



“O segredo do sucesso da nossa maravilhosa fábrica de pastéis de Belém, como a chamamos, está no modo de preparar o doce para nossos visitantes. Carinho e dedicação fazem parte da receita que o público observa em cada etapa. Já o gostinho que fica para nós é o da satisfação”, diz o proprietário Olivardo Saqui.  FOTO

Para quem gosta de atrações mais relaxantes, a Quinta do Olivardo oferece ainda minipesca esportiva, passeio a cavalo e um relaxante pedalinho para passear sobre o lago.

Momento emocionante

Amália Caldeira Pena dos Santos, 70 anos, se emocionou com o passeio. Conforme ela, o restaurante brasileiro está mantendo uma tradição que nem mais as vindimas portuguesas fazem dessa forma. "Adoro tudo o que é folclórico", disse, acrescentando que fazia isso quando criança. "Até os 12 anos", contou ela, que é portuguesa. Amália morou no Brasil durante 26 anos, onde casou e teve dois filhos. Atualmente vive em Portugal e está no País a passeio. "Lá essa tradição está acabando. Poucas aldeias fazem isso".

Vindima da Vinícola Góes começa dia 21

Outro local em São Roque que irá celebrar a colheita das uvas é a Vinícola Góes, que inicia a vindima (colheita) no próximo sábado, dia 21. A festividade já está na sua 11ª edição. O evento ocorre por três finais de semana, sempre aos sábados e domingos, até o dia 5 de fevereiro, com uma data extra para o dia 25 próximo, feriado na capital paulistana. Também terá colheita e almoço típico português.


A Vinícola Góes fica na Estrada do Vinho Km 9, bairro Canguera. Horários: 10h, 11h30 e 13h. Preços: R$ 200 (por pessoa -- inclui almoço, taça de vinho, chapéu e foto personalizada). Grupos: R$ 190 (por pessoa, acima de 20 pessoas). Crianças de 5 a 12 anos pagam meia; crianças até 4 anos não pagam. Mais informações: (11) 4711-3500.

Rota da Uva em Jundiaí tem 30 locais para conhecer

 
Em Jundiaí, cidade situada a 89 quilômetros de Sorocaba, tem outro passeio em que o fruto da videira é o destaque: a Rota Turística da Uva, que conta com a participação de 30 estabelecimentos, entre adegas, restaurantes, sítios, lojas e bares. O diferencial nesse caso é a oportunidade de passar momentos num sítio ou fazenda, conhecendo um pouco da rotina das famílias vivem ali. Elas abrem as portas de suas casas, deixam o público entrar e sentar naquela grande mesa onde todos os parentes se reúnem para fazer as refeições. Depois, vem o convite para ir até o quintal e ver bem de perto os animais que criam, as plantações, e contam mais sobre seu dia a dia. A sensação é de visitar um parente do interior, que faz de tudo para agradar a visita. Para esse passeio prepare-se, pois irá andar bastante. Então, não esqueça do protetor solar, óculos e chapéu.

A rota vem sendo mais divulgada após o recente reconhecimento de Jundiaí como um dos principais municípios de visitas de lazer pelo Mapa Turístico do Estado de São Paulo. O principal foco da cidade, que oferece aos turistas diversos tipos de passeio, é a cultura da uva e a produção de vinho artesanal, tradição que a tornou conhecida como a Terra da Uva. Vale ressaltar que nesse sentido Jundiaí é especial. Um fenômeno da natureza mudou a história da cidade: no bairro do Traviú, em 1933, ocorreu uma mutação genética espontânea, dando origem a uma nova variedade, a niágara rosada, que até então não era encontrada em nenhum outro lugar do mundo.

Jundiaí tem uma história marcada pela imigração italiana. A maioria dos produtores e comerciantes é formada por famílias que resistem à pressão imobiliária e trabalham para manter viva a tradição do plantio de uva e a produção de vinho.

Na Rota Turística da Uva -- que abrange os bairros Caxambu, Roseira, Toca e Colônia -- é possível degustar várias espécies dessa fruta, além de suco integral, vinhos e cachaças. Com relação à gastronomia, há opções para todos os gostos, desde a cozinha italiana, com suas massas e molhos caseiros, até o tradicional frango com polenta, especialidade das festas comunitárias realizadas anualmente nas paróquias da cidade. O turista ainda encontrará barracas de venda de frutas da época, produtos artesanais (pães, doces, queijos e outros) e até uma microcervejaria artesanal. É possível ainda arregaçar as mangas para a colheita. Já quem gosta de mais agito poderá ir na Festa da Uva, que começa na próxima quinta-feira, dia 19.

Para interessados em fazer a rota, é bom avisar que é um passeio de descobertas. Se você optar por ir com seu carro, o ideal é imprimir o mapa no site www.rotadauva.com.br, verificar com antecedência os locais que deseja visitar e fazer os devidos agendamentos. Atente-se também com relação aos dias de funcionamento e horários, pois alguns locais só abrem aos finais de semana. Se a opção for ir com um grupo e acompanhado de guia, basta ligar para a Associação Rota da Uva nos telefones (11) 4584-7619, (11) 95778-0811 ou enviar e-mail para contato@rotadauva.com.br. Para quem está em São Paulo, há o Expresso Turístico, que leva moradores da capital paulista (Estação Luz) até Jundiaí.

Momento de desfrutar da simplicidade

 
A reportagem do Jornal Cruzeiro do Sul foi conhecer o roteiro na quarta-feira passada (11), a convite da Associação Rota da Uva, junto com outros colegas da imprensa. A primeira parada foi no Sítio da Família Vendamin. Logo na entrada, a família mantém um acervo de objetos antigos como brinquedos, escovão, moedor de carne, entre outros. Nesse primeiro momento, é possível começar a se reconectar com tradições. Mais à frente, a visão é de uma enorme mesa, típica de família italiana, em que se reúnem avós, tios, primos, sogros, pais, irmãos. Ali foi servido um delicioso café da manhã. Entre as especialidades da família estão o suco de cambuci, geleias de morango e de manga, e o pão de uva bordô. Ainda foram servidos pães, biscoitos e até linguiça. Tudo produzido na fazenda pelas irmãs Sandra e Vera Vendramin.

No sítio, as irmãs costumam receber os turistas como se estivessem diante de parentes que vieram de longe e sendo assim não tem frescura, por isso os cães participam ativamente da recepção aos visitantes. Simpáticos, Pantera e Meg acompanharam o grupo de jornalistas durante o passeio no sítio o tempo todo.

Após o longo café, chegou o momento de conhecer as criações. No sítio tem vacas e porcos, muitos porcos. Quem ainda come carne, como eu, fica com remorso. É um bom momento para refletir sobre o tema.

Depois foi a vez de ver as plantações e experimentar um tipo diferente de maracujá, um pouco mais doce. Por último fomos conhecer a adega. Além dos vinhos, é possível encontrar mel, biscoitos, geleias e carne de porco (linguiça, costela, chouriço). Interessados em conhecer podem fazer o agendamento pelo telefone (11) 97102-8701. Já a adega fica aberta das 8h às 18h.

Alambique e adegas

 
Em seguida o grupo foi conhecer o Espaço Valsanglau. O local tem um alambique e conforme os proprietários, Valmir de Souza e a esposa Maria Santina Nascimento Souza, as cachaças são feitas com a melhor cana-de-açúcar produzida no País, que vem de Minas Gerais, onde o casal tem uma fazenda. O Espaço Valsanglau tem 129 tipos de cachaça, dos mais variados sabores, sob a marca Cachaça Casa Grande.

Valmir conta que existe uma tradição na Sexta-feira Santa, de tomar cachaça com guiné, que segundo a crença garantiria proteção para o ano todo. "As pessoas tomam um gole e depois comem pão com peixe", conta. O espaço fica aberto aos domingos, das 11h às 16h. Agendamentos pelo telefone (11) 99898-7832.

Ainda durante o passeio, passamos em frente à fábrica de bebidas Cereser e pela adega Maziero. Conforme nossa guia, foi desse local que saíram os vinhos para a missa que o papa Francisco realizou no Brasil.

Na sequência, conhecemos a propriedade da família Fontebasso, que tem plantação de uvas e adega. Lá é possível sentir o gosto de andar pelos parreirais e colher uva. Na propriedade, a família cultiva sete variedades da fruta.




Conforme Rodinei Fontebasso, no Brasil não tinha vinho, só café. Seu bisavô, que veio da Itália com a família, foi um dos que iniciaram as plantações de uva na região e abriu em Jundiaí uma cantina de vinho, como era chamada na época uma adega. "Ele produzia de 40 a 50 mil litros de vinho por ano", conta.

Rodinei explicou como funciona o processo para a uva virar vinho. A fruta é colocada num recipiente onde é amassada e depois de 12 horas começa a fermentar. O líquido, que vira álcool, é separado das sementes e cascas e é preciso esperar o descanso da bebida, para que envelheça e esteja própria para consumo. Após seis meses já é possível saborear, mas o ideal é aguardar pelo menos de um ou dois anos. Interessados em conhecer o espaço podem agendar visitas pelo telefone (11) 4584-3789.

Requinte

A penúltima parada foi num local mais requintado: a Vila Brunholi, que recebe cerca de 1,5 mil pessoas por semana. Esse local abriga o Museu do Vinho, uma adega, um restaurante e uma minifazenda, com animais que não serão abatidos e são expostos apenas por alguns horários. No restante do tempo ficam livres no pasto. A sensação de estar bem perto desses animais é muito boa. Dá para fazer carinho e até "brincar" um pouco com eles. Lá tem galinha d"angola, peru, bode, porco e coelhos, entre outros.


O proprietário, Paulo Brunholi, que também é presidente da Associação Rota da Uva, conta que o local que abriga o museu é um barril, pertencente à família Cereser, e que comportava até 110 mil litros de vinho.

Entre as diversas especialidades do local, além de vinhos, cachaças e sucos, há iguarias feitas artesanalmente e é possível comprar também fubá caseiro, para quem adora uma polenta. No restaurante, as massas são imperdíveis.

Por fim, o passeio da imprensa, que não foi por toda a rota devido ao pouco tempo disponível para todos, terminou na barraca Por Falar em Uva - Frutas de Época, de Nilse Marquezin Nogueira. Ali são vendidas frutas selecionadas e de excelente qualidade. O local fica aberto de terça-feira a domingo, das 8h às 18h, até março. Depois do período de safra da uva, o espaço abre de quinta a domingo.




Os preços das garrafas de vinho e cachaças dos estabelecimentos visitados custam em média R$ 20, o mesmo preço dos sucos integrais. Há outros valores, mas em geral o custo é acessível.

In jornalcruzeiro
http://www.jornalcruzeiro.com.br/materia/758325/tradicao-e-historia-se-unem-para-agradar-aos-paladares-na-epoca-de-uvas

 

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