Qual a importância das fotos dos escritores, para eles e para os leitores

DO TEXTO:

Retratos de escritores projetam uma imagem que forma a mitologia em torno de suas personalidades e acompanha a leitura de suas obras

Juliana Domingos de Lima
 
Por ser um escritor nascido ainda no século 19, o homenageado pela Festa Literária de Paraty de 2017 Lima Barreto não tem tantas imagens de si circulando por aí, como é o caso dos escritores contemporâneos.

A pouca iconografia existente do autor, que inclui as fotos analisadas pela professora da UFRJ Beatriz Resende no ensaio  publicado na Revista Serrote “O Lima Barreto que Nos Olha”, no entanto, ajuda a entender o que atormentava o escritor, qual a sua história e qual era a condição de um escritor negro no início do século 20 no Brasil.

Até a pesquisa de Resende, as fotos de Barreto que ela analisou nunca haviam sido vistas por alguém externo à instituição psiquiátrica onde ele foi internado e fotografado em 1914 e 1919. Para a pesquisadora, as fotos eram a “prova material” do que ele havia relatado no livro “Diário do Hospício”. Projetam, além disso, uma imagem muito diferente do escritor jovem, confiante e vestido com esmero no ano de publicação de “Recordações do Escrivão Isaías Caminha”.

LIMA BARRETO EM 1909, ANO DE LANÇAMENTO 
DE "RECORDAÇÕES DO ESCRIVÃO ISAÍAS CAMINHA"

Para Dustin Illingworth, jornalista especializado em literatura que escreve para o site “Literary Hub”, as fotos de escritores constituem um texto paralelo à própria obra de um autor. A expressão do escritor em imagens,  seja na orelha de um livro ou em um banner de livraria, ecoa e acompanha a experiência de leitura. E constrói uma fantasia em torno da figura por trás do texto. “Se a nossa é uma cultura da primazia visual, há dúvidas de que as fotos de nossos autores venham a habitar os textos que eles escrevem?”, questiona Illingworth.

Primeiros retratos de escritores brasileiros 

O primeiro dos grandes escritores brasileiros a ter sua trajetória registrada por meio de fotografias, e portanto a deixar imagens de si para gerações posteriores, foi Machado de Assis. Nascido na primeira metade do século 19, sua geração coincide com a que viu, no Brasil, a fotografia se tornar parte da vida social, cosmopolita e intelectual das pessoas. A trajetória do escritor contada em fotos foi reunida no livro “A Olhos Vistos: Uma Iconografia de Machado de Assis”, organizado pelo professor de Literatura Brasileira na USP Hélio de Seixas Guimarães.

MACHADO FOTOGRAFADO POR MARC FERREZ 
E JOAQUIM INSLEY PACHECO, EM 1884

O modernista Mário de Andrade também foi intensamente retratado, em pinturas e fotos, e se mostrava consciente do cultivo de sua imagem de escritor e homem público a partir desses registros. “Dos retratos que foram feitos em vida, Mário de Andrade exerceu influência direta sobre muitos deles, interferindo e opinando durante a sua execução e também os criticando em textos e cartas depois de terminados”, diz o artigo “Retratos de Mário de Andrade: catálogo da iconografia dedicada ao escritor”, escrito pela pesquisadora em História da Arte da Unicamp Tameny Romão.

O trabalho explicita as construções da imagem do autor de “Macunaíma”, assimiladas pelo imaginário popular: seus retratos, tirados em casa ou no estúdio, cercado de objetos que havia trazido de suas viagens folclóricas ao Nordeste ou com um cigarro na boca, projetavam um homem culto, viajado, descontraído ou circunspecto e triste, como é muitas vezes o ideário romântico alimentado em relação à personalidade de escritores.

Em uma carta de 1944 enviada ao amigo Newton Freitas, Mário de Andrade envia uma foto dele mesmo que diz, na correspondência,  ser a que mais gostava por marcar no seu rosto “os caminhos do sofrimento, você repare, cara vincada, não de rugas ainda mais de caminhos de ruas, praças, como uma cidade. (...) ele denuncia todo o sofrimento dum homem feliz”.

As fotografias de escritores

Fotógrafo e colaborador de editoras como Companhia das Letras, Planeta, Rocco e 34,  Renato Parada já fotografou autores contemporâneos brasileiros e estrangeiros. José Saramago, Mia Couto, Elvira Vigna, Drauzio Varella, Daniel Galera e Ian McEwan estão entre seus retratados.

“Busco encontrar um balanço entre a personalidade do autor, seu estilo literário e minha linguagem fotográfica.”, disse Parada em entrevista ao Nexo.

Ele concorda que quando o leitor julga, pela aparência, um escritor  como “bonito, inteligente, agradável ou maldito”, isso tem impacto na forma como ele é lido.

DANIEL GALERA - FOTO de RENATO PARADA

'SABER QUE DANIEL GALERA É UM CONTEMPORÂNEO MEU ME FEZ TER MAIS INTERESSE POR SEUS LIVROS', DIZ PARADA

Como leitor, Parada relata como sua experiência ou seu interesse pela literatura de alguns autores passa pela imagem deles. “Saber que Daniel Galera é um contemporâneo meu me fez ter mais interesse por seus livros”, diz. Também fala de como a imagem do autor do calhamaço “Graça Infinita” o convenceu a chegar ao fim do livro. “O fato de um escritor como David Foster Wallace se vestir como um Axl Rose acadêmico me influenciou a conseguir ter a dedicação suficiente para conseguir ler seus livros. Me ajudou a entender que ler um livro de 1.000 páginas também pode ser algo extremamente legal e divertido de se fazer”. 

O retrato tirado de Elvira Vigna, autora do livro “Como Se Estivéssemos em um Palimpsesto de Putas” é um dos preferidos do fotógrafo por comunicar a força e a dureza da personalidade e do estilo literário da escritora.

RETRATO TIRADO DA ESCRITORA ELVIRA VIGNA
É UM DOS PREFERIDOS DO FOTÓGRAFO
 
Ele diz preferir fazer fotos “não literais”, fugir da pose intelectual ou profunda, das fotos convencionais com uma estante de livros ao fundo.

 “São pessoas mais interessantes que isso”, diz. “As pessoas têm essa ideia do que é um escritor - alguém mais velho, acadêmico, e isso pode distanciar alguns da literatura, como os jovens, que podem achar que esse universo não é tão legal e interessante”.

Kafka, Plath, Camus

No texto “Como fotos de autores mudam nossa maneira de ler”, publicado no site “Literary Hub”, Dustin Illingworth cita alguns casos de fotos de escritores muito conhecidos cujos retratos são inseparáveis, para ele, das respectivas obras.

“A última foto tirada de Franz Kafka, meses antes dele morrer de uma tuberculose que o havia perseguido por anos, revela a magreza, a contemplação e a intensidade quase insuportável de um rosto transformado em um tipo de aforismo físico: o rosto de Kafka como uma história kafkiana”
Dustin Illingworth
Para o “Literary Hub”

PARA O JORNALISTA DO 'LITERAY HUB' A EXPRESSÃO DE KAFKA 
CONCENTRA CARACTERÍSTICAS DE UM PERSONAGEM DE UM DE SEUS LIVROS

O sorriso enigmático e a expressão ambígua da americana Sylvia Plath, autora de “A Redoma de Vidro” e do livro de poesia “Ariel” também ficam impressos, para ele, à ferocidade de sua obra poética. Illingworth registra ainda a elegância e a rebeldia do teco de cigarro nos lábios do francês Albert Camus, em sua foto mais famosa. Camus é, segundo ele, o James Dean do existencialismo.

Francês Albert Camus

 In nexojornal
https://www.nexojornal.com.br/expresso/2017/01/16/Qual-a-import%C3%A2ncia-das-fotos-dos-escritores-para-eles-e-para-os-leitores



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