Historiador português Jorge Couto: 'A História do Brasil começa há 11 mil anos'

DO TEXTO:

Jorge Couto, historiador: 'A História do Brasil começa há 11 mil anos'

Português, professor da Universidade de Lisboa, esteve no Rio para um debate no Paço Imperial, na Festa dos Santos Portugueses
   
Amanda Prado

"Tenho 64 anos, nasci na Ilha de São Miguel. Fui presidente do Instituto Camões e diretor da Biblioteca Nacional de Portugal. Hoje, sou professor da Universidade de Lisboa, especialista em História brasileira. É complexo estar do outro lado do Atlântico, longe do objeto de trabalho, mas venho sempre que posso."


Conte algo que não sei.

Um aspecto que considero dos menos conhecidos e valorizados na História do Brasil é o domínio técnico que se adquiriu pelo fato de, entre 1808 e 1821, o Rio de Janeiro ter desempenhado um papel único de governar um império ultramarino que o país nunca mais teve. A partir da cidade, governou-se um império que se estendia da Europa, passava pela África e, naturalmente, pela América, depois por territórios portugueses da Ásia.

Por que considera esse período tão importante?

Foi exatamente nesse momento que o reino do Brasil atingiu o máximo da sua expansão territorial, do Amazonas à antiga região do Prata. Durante bom tempo, ao ter que lidar comercialmente com os quatro continentes, o Brasil ganhou uma vantagem competitiva importante. Nesse contexto, o Brasil é incomparável a qualquer outra monarquia europeia em domínios coloniais. Primeiro, por receber a corte e a sede do governo.Segundo, porque, com a família real aqui, o Rio reproduziu a estrutura institucional e jurídica do que havia em Lisboa, e acabou ganhando um papel de centralidade política que nenhuma capitania do Brasil ainda tinha desempenhado.

Como você analisa a vinda da família real para o Brasil?

Como poderia ser chamada a saída do General Charles de Gaulle da França quando os nazistas invadiram o país e todos se refugiaram em Londres? Do meu ponto de vista, a família real não estava fugindo da invasão francesa. Foi uma retirada estratégica. Porque o território não deixou de ser soberano no seu próprio território.

Qual sua primeira surpresa ao passar a estudar o Brasil?

O que me provocou verdadeiro espanto foi o fato de a História do Brasil começar, em quase todos os manuais, em 1500, porque isso não corresponde, de todo, a uma verdade histórica. Os índios estavam aqui antes de os portugueses chegarem. Isso é um fato. A História do Brasil começa pelo menos há 11 mil anos.

Que mudanças vê na relação entre Portugal e Brasil do ponto de vista do imaginário histórico? Os portugueses consideram os brasileiros como "irmãos"?

Penso que essa mentalidade, associada à ideia dos estereótipos, envolve coisas que mudam lentamente. O olhar sobre o outro é uma das coisas mais sedimentadas, mas creio que, à medida que o tempo passa, temos melhorado. Um exemplo é o fato de que Nuno Rebelo de Sousa, filho do atual presidente de Portugal, vive em São Paulo desde 2010, e os filhos já nasceram brasileiros. Não tenho dados estatísticos, mas minha percepção é que há cada vez mais ligações afetivas luso-brasileiras, e isso ajuda na mudança de perspectiva das relações.

"Há cada vez mais ligações afetivas luso-brasileiras", acredita Jorge Couto 

De onde veio seu interesse em estudar o Brasil?

Começou em 1986, quando lecionava na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e foi criada a cadeira de História do Brasil. Ao fim de um ano de intensas leituras e pesquisas para assumir, fiquei apaixonado pelo objeto Brasil. E havia incidentes familiares. Meu bisavô era comerciante de "grosso trato" e, a partir da Ilha dos Açores, negociava com todo o império português, principalmente Macau e Brasil. Criança, eu convivia com frutas brasileiras: maracujá, araçá, goiaba. Talvez, as reminiscências da infância tenham pesado quando aceitei lecionar a cadeira. A paixão, então, multiplicou-se. Sinto-me um brasilianista português.


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