DO TEXTO:
Escolheram a mesa do meio bem lá à frente, na cara do toiro, quais forcados do Bairro Alto que armados de comes e bebes a preceito e à luz da vela...
Já passava da meia-noite e chovia que Deus a dava
Por: Armindo Guimarães
Por vezes a realidade é tão incrível que consegue ultrapassar a própria ficção. Foi o que aconteceu há cerca de quinze anos, mais exactamente na Adega Mesquita, uma antiga e conceituada casa de fados do Bairro Alto, em Lisboa.
Já passava da meia-noite e chovia que Deus a dava. Não se via ninguém nas ruas do Barro Alto à excepção de dois gajos do Porto que molhados até aos ossos espreitavam esta e aquela casa de fados. A Adega Mesquita na rua do Diário de Notícias pareceu-lhes uma boa opção não fosse o porteiro abrir a porta e perguntar o que queriam dali dois gatos pingados àquela hora da noite.
- Ó amigo queríamos comer qualquer coisa e ouvir uns fados à maneira – responderam.
- Acontece que já estamos fechados e os fadistas estão todos a prepararem-se para sair. O melhor é voltarem cá amanhã há hora de jantar e não a esta hora. Se vierem à hora de jantar, além dos fados podem ainda assistir a danças de folclore.
- A malta gosta de folclore, mas o que queríamos mesmo era uns fadinhos. Por isso…
- Por isso, é como vos disse. Venham amanhã.
- Ó amigo, amanhã de manhã já vamos para o Porto. Não me diga que viemos do Porto de propósito para ouvir uns fadinhos aqui na Adega Mesquita e que na volta vamos embora a ver navios! Estamos lixados, carago!
- Vocês vieram do Porto de propósito?
- Claro! E olhe para nós todos molhados que mais parecemos uns pitos.
Depois de alguns segundos de reflexão, o porteiro sugeriu que os tripeiros esperassem um pouco enquanto ia ver o que poderia fazer.
Regressou, dizendo:
- Vocês estão com sorte. Falei ao coração dos fadistas e eles, como não têm que arrumar a voz, prontificaram-se a cantar mais uns fados. O pior foram os guitarristas que já tinham arrumado as guitarras, mas quando lhes disse que vocês vieram do Porto de propósito, sacaram logo dos instrumentos. Entrem!
E os gajos do Porto à vista de tantas mesas já preparadas para o dia seguinte, todas elas com uma pequena jarra de flores ao centro e um castiçal com uma vela à espera da penumbra para se fazer notada ao som da guitarra portuguesa e do fado que passados quinze anos iria ser nomeado pela UNESCO como património imaterial da humanidade, perguntaram:
- Onde quiserem. A Adega Mesquita está por vossa conta.
Escolheram a mesa do meio bem lá à frente, na cara do toiro, quais forcados do Bairro Alto que armados de comes e bebes a preceito e à luz da vela, puderam ouvir os tão desejados fados cantados por Flora Silva, Tino Ferreira, Maria de Fátima e outro fadista que infelizmente não consta das quatro cassetes que dali levaram de recordação.
A verdade seja dita que o Armindo e o Sérgio não foram de propósito a Lisboa para ouvirem uns fadinhos na Adega Mesquita. Foram em serviço e iriam regressar à Invicta no dia seguinte, mas antes disso não podiam perder a oportunidade de juntarem o útil ao agradável. E que agradável!
Enfim, coisas que o fado tece e que por certo os gajos do carago, jamais esquecerão.
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Comentários
Olá maninho!
ResponderEliminarLogo que comecei a ler já imaginei que um dos gajos era você...
Amei sua história,os fados,o vídeo.
Você escreve tão especial,que faz a gente imaginar todas as cenas, como se estivesse lá...Tomei chuva agora...
Parabéns!
Beijos,
Carmen Augusta
Querido Armindo!
ResponderEliminarTeus textos tem vida....senti cada momento como se também estivesse presente...senti até a chuva no meu corpo....
As fotos estão lindas...
O vídeo com Fados maravilhosos, e como sou uma brasuca que adoro Fados, estou a escutá-los enquanto escrevo este comentário....
Parabéns Meu Amigo!
Beijos,
Alba Maria
Ai, ai, Adega Mesquita, Adega Machado, e todas as outras que conheci nas noites da velha Lisboa. Ai meu Bairro Alto, que saudade. E viva o fado a nossa grande expressão por esse mundo fora.
ResponderEliminarParabéns.
Carlos Alberto Alves
Armindo:grande noite de fados grande molha,mas uma coisa destas so visto contado ninguem acredita .temos que publicar as nossas noites na ginja,o jogo da moedinha o oficios correlativos.
ResponderEliminarum xi
Sergio Alvim