No meio do caminho, tivemos Drummond

DO TEXTO:
 
 Notícia publicada na edição de 07/02/2009 do Jornal Cruzeiro do Sul, página 1 do caderno B

 
 
Juliana Simonetti
 
 
Falecido há mais de 20 anos, o escritor mineiro, que foi cronista do jornal Cruzeiro do Sul, continua fazendo sucesso: é o poeta brasileiro que mais vende nas livrarias da cidade; inspira artistas plásticos em exposição de São Paulo, e será nome de praça em Sorocaba.

Ele nasceu há mais de 100 anos (em 1902), morreu há mais de 20 (em 1987), mas continua sendo o poeta brasileiro que lidera as vendas em livrarias (pelo menos nas de Sorocaba). “Aliás, daqui a 50 anos, Drummond continuará sendo o poeta brasileiro mais popular no país. Acredito até que, no futuro, as pessoas vão entender ainda mais, com mais profundidade, a obra dele. Para quem faz literatura de verdade, todo tempo é presente. Drummond nunca ficará velho, ele permanece”, opina a professora de português e integrante da Academia Sorocabana de Letras, Myrna Atalla Senise.

 “E é válido lembrar que Drummond não tinha a música, como o Vinícius, para popularizar seu nome. Também não gostava de aparecer na mídia e era muito difícil conseguir uma entrevista com ele. Ele era um típico mineiro, aliás nem se dizia poeta, falava que era um funcionário público”, completa a professora.

E para os que acham que sempre é hora para para ler o poeta “abençoado” por um anjo torto para ser “gauche na vida”, nunca é demais relembrar: felizmente, no meio do caminho do Cruzeiro do Sul, tivemos Carlos Drummond de Andrade (para presentear os leitores, reproduzimos uma de suas crônicas, publicada em 12 de junho de 1984, pelo jornal).
O escritor foi cronista do Cruzeiro do Sul em 1984, quando escreveu, a convite da editora Maria Cláudia Miguel, para o recém criado Mais Cruzeiro.

Cacau, como é conhecida a jornalista que atualmente reside em Campinas, explica que os primeiros contatos com o escritor começaram bem antes, por meio de carta. Ela mesma conta: “Como tantos aprendizes da escrita, resolvi, por intermédio de uma amiga (bisneta do escritor Bernardo Guimarães), enviar-lhe meus trabalhos. Às vezes, imaginava minhas redações naquelas pilhas enormes de cartas que com certeza chegavam todos os dias à escrivaninha do poeta. Um dia veio a resposta. ‘A Rosa do Povo’ era nossa. Era minha”.

Cacau prosseguiu escrevendo suas cartas “falando de tudo da vida”. “Uma vez, Drummond chegou a comentar que as cartas o faziam lembrar do início de sua correspondência com Mário de Andrade. Drummond era sucinto e intenso nas respostas. A poesia tem o seu jeito, creio”.
E assim, quando Cacau ficou responsável por criar um suplemento de variedades no Cruzeiro do Sul, sugeriu o nome de Drummond como colaborador e as coisas, felizmente, deram certo.
O poeta deixou o suplemento apenas quando despediu de todos os órgãos de imprensa do País, na famosa crônica “Ciao”, em outubro de 1984, em que diz “Aos leitores, gratidão, essa palavra-tudo.”

No período em que escreveu para o Mais Cruzeiro, pode-se observar um Drummond que comentava, sem papas nas línguas, sobre a política do País. Entre os textos que fazem parte do arquivo do Cruzeiro do Sul, está uma crônica intitulada “Bilhetes a diversos”, publicada em 8 de julho de 1984. Nesse texto, escreve recados a diversos políticos como o então deputado Paulo Maluf, o governador Tancredo Neves e o governador Leonel Brizola. Para Tancredo Neves diz:

“Não preciso aconselhá-lo (quem sou eu?) a ser três vezes desconfiado. Mineiro não entra em canoa furada nem mete a mão em cumbuca. E sabe que mais vale um tico-tico na mão do que toda a fauna avícola do Brasil no ar. Etc. Querem lhe dar de presente mais de cem bilhões de dívida externa e uma inflação de 200% e lá vai fumaça, não falando no pacotão de greves, desemprego, miséria, violência generalizada, crise de autoridade, injustiça social e o escambau. E em troca lhe tiram... o governo de Minas. Isto pode seduzir um mineirão sabidérrimo de São João del Rei? Se tiver um minuto de dúvida, consulte o Otto Lara Resende e a sua barba”.

Em outra, também memorável, o cronista escreve, parodiando um de seus maiores clássicos: “E Agora, José?”. O texto foi publicado pelo Cruzeiro do Sul em 5 de maio de 1984, quando o escritor reflete sobre a votação das Diretas Já no Congresso Nacional. “E agora, João? E agora, Ulysses? E agora, Tancredo? E agora Leitão, Brizola, Sarney, Marchezan, Montoro, Ludwig, Fafá de Belém, Medeiros, Venturini, Torloni, Dala, Juruna, Menininha de Gantois, Sócrates, Pastore, Delfim, Xuxa, Gâlveas e outros nomes votados? E agora, eu? Pergunto por perguntar, sabendo que ninguém responderá. Todos perguntam, ninguém sabe nada, e a confusão só não é geral porque deixou de ser confusão: é estado de espírito”.

Sobre o engajamento político de Drummond, Myrna comenta: “O Drummond era completo. Cada pessoa pode ir buscar o que está precisando em Drummond. Ele cantou o amor, fez poesia de um erotismo refinado, e também era muito engajado politicamente. E eu acredito muito nisso: é o poeta que irá salvar o mundo”.

Praça do Piazza Di Roma fará homenagem a Drummond

Pesquisando no arquivo do Cruzeiro do Sul as matérias relacionadas a Drummond, a reportagem verificou, em nota publicada no dia 20 de agosto de 1987 (poucos dias depois do falecimento do escritor), a intenção do então prefeito Paulo Mendes fazer uma homenagem a Drummond, dando seu nome a uma praça da cidade.

Na nota constava: “A praça Carlos Drummond de Andrade ainda não tem sua localização definida, porque não foi escolhida por Paulo Mendes”.
Passados 22 anos, a reportagem quis saber do vereador o desfecho dessa história. Paulo Mendes (atual vereador pelo PSDB) disse que está certo de que a praça será no Piazza Di Roma.

“Estamos apenas esperando a revitalização do local. É uma rotatória grande, um entroncamento de três vias públicas. Já está na programação deste ano. Mesmo que tardiamente, vamos fazer essa homenagem”, garantiu o vereador.

Artistas plásticos fazem releitura das poesias de Drummond na Casa das Rosas, em São Paulo

Além de ser influência para escritores, Drummond serve de inspiração também para artistas plásticos. A mostra “Diálogos com Drummond”, em cartaz na “Casa das Rosas - Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura”, reúne criações de 22 artistas plásticos a partir da vida e obra do escritor e poeta Carlos Drummond de Andrade.

Anna Donadio, Cida Ornaghi, Claudia Di Paolo, Cristina Maratasso, Edith Popluhar, Gláucia Fischer, Helena Falconi, Jaqueline Comazzi, Leilah Costa, Leila Lagonegro, Lucia Rosa, Nina Arbex, Renata Meirelles, Rose Romano, Rossanna Jardim, Suzana Garcia, Suzanne Mabilde, Theresinha Nogueira, Vicencia Gonsales, Vivian Marin, Walter Gini e Yeda Sandoval participam da mostra.
Sob curadoria de Waldo Bravo, “Diálogos com Drummond” reflete sobre as artes plásticas e a literatura, referenciando o autor. As obras são acompanhadas pelos textos, poemas e poesias de Drummond que as inspiraram.

SERVIÇO - “Diálogos com Drummond”. Até 28 de fevereiro, de terça a sexta-feira, das 10h às 20h, e aos sábados e domingos, das 10h às 18h. Local: Casa das Rosas (Av. Paulista, 37, próximo à Estação Brigadeiro do Metrô). Outras informações: (11) 3285-6986 ou (11) 3288-9447.

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