Roberto Carlos é um camaleão da sociedade brasileira

DO TEXTO: OK, o mais novo setentão da praça (que ironia, esse capixaba de Cachoeiro do Itapemirim nasceu em pleno dia do índio, 19 de abril de 1941).
Roberto Carlos cantando.



Aos 70, cantor é a cara de qualquer brasileiro, em qualquer parte do país, pertencente a qualquer sexo, etnia ou classe social


Há poucos dias, o golpe militar brasileiro de 1964 fez mais um aniversário, o 47º. Como de praxe nessas ocasiões, o nome de Roberto Carlos mais uma vez voltou à tona, aqui e ali, como se simbolizasse um posto avançado dos militares no campo cultural: “O cantor da ditadura”.

OK, o mais novo setentão da praça (que ironia, esse capixaba de Cachoeiro do Itapemirim nasceu em pleno dia do índio, 19 de abril de 1941) fez por merecer em vários momentos a associação. Mas o epíteto “o cantor da ditadura” bastaria para definir e circunscrever o mais importante artista popular de nossa história, o que mais vendeu discos, o que angariou mais seguidores, o que conquistou mais duradoura permanência? Ele teria mantido a imensa influência que exerce e resistido aos últimos 22 anos de regime democrático se fosse, mera e simplesmente, “o cantor da ditadura”?

Roberto Carlos ergueu uma montanha maciça na indústria brasileira do entretenimento, por uma razão desconcertante de tão prosaica: ele é a cara de qualquer brasileiro médio, em qualquer parte do país, pertencente a qualquer sexo, etnia ou classe social. Tal como o mais comum e banal dos brasileiros, Roberto não é muito bonito nem muito feio, muito alto ou muito baixo, nem tão genial nem tão medíocre, nem muito calado nem muito falante. Se vivesse pelado, pintado de verde, pareceria um índio daqueles que aqui viviam em 1500, como a maioria de seus leais admiradores. Roberto Carlos não é a cara da ditadura, ele é a cara do Brasil – ficou parecido com a ditadura quando o Brasil virou uma ditadura, o nosso camaleão, especialista em se confundir com a paisagem, qualquer que seja a paisagem.

O que não há como negar é que Roberto Carlos representa o status quo que governa o Brasil desde que o samba é samba. Eclodiu para o sucesso em 1961, no momento histórico traumático da renúncia do presidente Jânio Quadros. Tentava à época ser um cantor de bossa nova, mas teve de renunciar – como a maioria de seus patrícios, era provinciano, suburbano e mediano demais para ser ou ter uma garota de Ipanema.

Foi no trauma de uma renúncia que Roberto descobriu uma fórmula de sucesso: se seguir a favor da correnteza é um porto seguro, por que não fazê-lo, sempre, sempre e sempre? O ídolo que se construía foi adquirindo, sucessivamente, cara de João Goulart, de general ditador, de José Sarney, de Fernando Collor, de Fernando Henrique Cardoso.

É curioso acompanhar seu processo atual de recuperação, após uma série de crises pessoais na virada deste século. Nos últimos anos, o efeito da mimetização lhe exige que se pareça primeiro com um retirante transformado em operário (o que sempre foi, ainda que sua fábrica se chamasse palco, Sony Music e/ou Rede Globo), em seguida com uma mulher que foi maltratada pela ditadura com a qual ele se parecia nos anos 1970. Roberto até que tem se safado bem da saia-justa. Segue fazendo sucesso, mantém o trono simbólico, valoriza as homenagens partidas de dentro de seu escritório no formato dos shows e discos coletivos “Emoções Sertanejas” e “Elas Cantam Roberto 

Elas cantam Roberto Carlos

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