"Mas na moldura não sou eu quem...'

DO TEXTO:




PASQUALE CIPRO NETO



O REI FEZ 70 ANOS! Viva o Rei!
Sou de uma geração que pôde gostar de Roberto Carlos nos anos 60; depois, por um bom tempo, deixou de poder gostar -as malditas patrulhas, que não morrem nunca (só mudam de alvo), consideravam Roberto "alienado", "brega" etc. Falar de amor era coisa de burguês.




Na universidade, eu era considerado "exótico" (na verdade, coisa muito pior do que isso) porque gostava de Tom, Caetano, Milton, João, Chico e... E Roberto, é claro. E não adiantava dizer aos mal-amados o que Caetano dizia de Roberto, da importância dele ("Sem a Jovem Guarda não teria havido Tropicalismo", dizia e diz Mestre Caetano).
Nunca ouvi sem chorar maravilhas como "Aquela Casa Simples", "Meu Querido, Meu Velho, Meu Amigo" ou "O Portão" (acho lindíssimo o verso "Meu cachorro me sorriu latindo"). Abro o bico e pronto.


De uns tempos para cá, com o "resgate" promovido por algumas bandas (Titãs e outras), o Rei "voltou" ao lugar de onde nunca saíra. Em brilhante artigo, na Ilustrada do último domingo, Paulo Ricardo tratou muito bem dessa questão.
Uma das tantas virtudes da Jovem Guarda foi levar para as canções a linguagem da época, o que, por sinal, escandalizava (e ainda escandaliza) muita gente. Mas Roberto e o queridíssimo Erasmo também deram suas tacadas no território mais formal da linguagem, sobretudo depois da Jovem Guarda.


Algumas dessas tacadas se dão na memorável "Detalhes". Eis uma delas: "Mas na moldura não sou eu quem lhe sorri". Comecemos por "Não sou eu...". Na língua oral, nesse tipo de construção, é mais do que comum, sobretudo quando o verbo "ser" aparece no pretérito perfeito, o emprego fixo da terceira do singular ("Não foi eu..."; "Foi eu..."). Esse fenômeno parece explicar-se pela influência da ideia da generalização ou neutralidade imposta por um suposto "quem", como se o falante respondesse a uma pergunta implícita (-"Quem [foi que] fez isso? - Não foi eu/Foi eu").
No padrão formal da língua, o verbo "ser" concorda com o pronome reto imediatamente posterior: "Não fui/sou eu que..."; "Não somos/fomos nós que..."; "Não são/ foram eles/as que..."; "Não foi/é ele/a que..."; "Não foste tu que...".


Esse tipo de construção costuma continuar com "que" ou "quem" ("Não fui/sou eu que/quem..."). Se depois do pronome reto vem "que", o verbo seguinte concorda com o mesmo pronome reto: "Não fui eu que fiz"; "Não foi ela que fez"; "Não fomos nós que demos"; "Não foram eles que deram"; "Não sou eu que sorrio"; "Não foram elas que sorriram"; "Não são eles que sorriem".
E quando se usa "quem"? O verbo seguinte costuma concordar com esse "quem", ou seja, fica na terceira pessoa do singular: "Não fui eu quem viu"; "Não sou eu quem paga"; "Não serão eles quem fará". Foi essa a opção de Roberto e Erasmo em "Não sou eu quem lhe sorri". Note-se a correta correlação entre "sou" e "sorri" (as duas formas verbais são do presente do indicativo).


Convém lembrar que, com o pronome "quem", também se registra o emprego do verbo seguinte em concordância com o pronome reto anterior ("Fui eu quem resolvi"; "Não fomos nós quem sujamos"). Isso se explica pela intenção de ênfase sobre o verdadeiro agente, mas, cá entre nós, é meio feinho, não? Se Roberto e Erasmo tivessem optado por essa forma, teríamos "Mas na moldura não sou eu quem lhe sorrio". Que tal? Parece melhor o original.
Vida longa a Roberto! É isso.


PASQUALE CIPRO NETO,
é um professor de língua portuguesa
e apresentador de televisão brasileira.
Também conhecido apenas pela alcunha
de Professor Pasquale, com a qual se apresenta.


http://www1.folha.uol.com.br/


Roberto Carlos - Detalhes



Roberto Carlos canta Detalhes, a canção preferida dos fãs na enquete feita no site do Fantástico.



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1 Comentários

Comentários

  1. E ele próprio (o Roberto) ainda fala de seu "Português ruim"... Depois dessa aula do Pasquale, fica provado o contrário!

    Abração!!!!

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