Apegar (lá) e apegar (cá)

DO TEXTO:



Por: Carlos Alberto Alves
jornalistaalves@hotmail.com
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Leio por exemplo a palavra espanto e fico em sobressalto e leio podridão e sinto o cheiro amargo e horroroso da incapacidade de procurar outros odores. Gosto da maneira engraçada de pôr letras nos livros. Gosto do brincar esquelético da letra F e da fábula encantada que ele, só por si, dita. Não gosto de ler esquálido ou eletricidade. Detesto a palavra amarelada. Leio muitas coisas de que não gosto. Histórias vazias de conteúdos que vão mais além do que a palavra adoração do próprio peito do pé ou da palma da mão ou do umbigo redondo. Gosto da forma ruminante de R. Do verbo rosnar. Da palavra rinoceronte, do nome próprio Rodrigo (meu sobrinho, “Doutor em Computadores”). Da letra T e das palavras: trompete, tirolês, tulipa ou trocados. Gosto de E, de B e de G. Do passo leve das galinhas de gambozinos (apanhava muitos, quando era mocinho, no meio das poças do mar) e do verbo girar. Não gosto de girafa, prefiro gorro (usei em Petrópolis, nos dias mais frios), gota, garfo (sou um bom garfo quando a comida me satisfaz). Por vezes distraio-me com H, mas não me esqueço de que em alemão é aspirado, que vem na palavra Hóspede, em Helicóptero e em Hungria (sempre tive o maior apreço pelo povo magiar). Gosto de juntá-lo ao L(de Laura, de Lanchonete, de Lampião) e escrever velho ou rolha. Gosto das palavras zarolho (em homenagem a Luís de Camões) e escolha. Não gosto de textos cheios de linhas com palavras como transpiração (tenho um horror a esse cheiro), conspiração (o pior que pode acontecer a uma pessoa), traição ou, e acontece tantas vezes, densificação. Impressão, terror (quando surge na televisão um filme com estas características, desligo logo), tempestade e trovão são palavras que, regra geral, não escrevo, mas leio. Detesto as palavras calúnia ou cobardia. Leio anúncios de jornal (não aqueles de sexo). Compras, vendas e ofertas. Leio os dos espectáculos, os preços dos bilhetes, as más traduções em inglês, como “tickets for sail”, que dão a sensação de velejar ou de ocupar um tempo que não é bem certo. É de pairar. Leio muitas coisas de que não gosto, é certo, mas leio Açores ou ilhas e gosto. Palavras como Açores são de mar inteiro. Açoriano também. Gosto da letra A (Armindo vai uma dose de tremoços?). A que é de até, de árvore e da expressão “apego à terra” (Vitorino Nemésio, grande escritor, grande professor universitário. Marcou na televisão com o seu programa “Mau Tempo no Canal"). Gosto do verbo apegar. Parece que não morre. Para mim, jamais. E é por isso mesmo que o apego ao Brasil continua incólume, não obstante os receios que tenho de toda esta violência que grassa. Mas aqui estamos, acreditando ainda que melhores dias virão. Que um dia os homens desta terra se capacitem que estão num país maravilhoso. E se esses mesmos homens quiserem, o Brasil tem condições para ser apontado como um dos melhores do mundo. Não tenho a menor dúvida.


NOTA FINAL – Cada vez estou a gostar menos das letras V e G. Do tal Vasco da Gama que, para mim, neste momento (mais um de tristeza), passa a ser “Vasco da Cama”, na sequência do que o time tem feito. Isto é, os jogadores dormindo em campo. Ó “Vasco da Cama”, acorda que são horas. Acorda para a realidade. Acorda para as vitórias.

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